O tão propalado déficit primário nas contas do governo vai fechar o ano abaixo de 0,1% do PIB, segundo o ministro Fernando Haddad, muito próximo ao déficit zero prometido no arcabouço fiscal e o melhor resultado nos últimos dez anos. É uma estimativa preliminar e não contabiliza os gastos extraordinários com o combate às enchentes no Rio Grande do Sul, mas ainda assim mostra, especialmente após a aprovação das medidas de corte de gastos pelo Congresso Nacional, que o fiscal não é o maior desafio do Brasil em 2025. O maior desafio será a alta taxa de juros e a política econômica de Donald Trump. Aliás, a famigerada Trumponomics poderá gerar muitas mais marolas na economia do que o governo gostaria.
A imposição de tarifas de importação a vários países é a principal preocupação e Trump já citou o Brasil e a Índia como países que taxam as importações americanas e que terão reciprocidade. Ou seja, é possível que produtos brasileiros como aço, alumínio, carne bovina, suco de laranja e outros sejam taxados. Esse movimento já ocorreu no primeiro governo Trump e foi amainado por negociações bilaterais, mas o momento é outro e inclui uma ação direta sobre a China já que a promessa de impor tarifas de até 60% aos produtos chineses é sempre reiterada por Trump. Isso causaria uma guerra comercial e não apenas entre China e EUA, mas entre os países em geral com efeitos imponderáveis no sistema global de comércio. Muitos países, inclusive o Brasil, poderiam ampliar suas exportações nesse vácuo, mas a China, por outro lado, tentaria inundar os países emergentes com seus produtos. Ao perder grande parte do mercado americano, a China pode também reduzir seus preços para tentar recolocar seus produtos em outras partes do mundo e aí estará instalada uma guerra comercial e poderia haver queda nos preços das commodities.
Por outro lado, taxar produtos importados pode gerar inflação e isso, aliado ao impacto no mercado de trabalho da deportação de um milhão de imigrantes sem documentação, prometida por Trump, causaria uma crise ainda não dimensionada na economia americana. Com insumos e matérias-primas mais caras por causa do aumento de tarifas e o custo de mão-de-obra elevado por conta da deportação, o cenário de inflação alta e redução da produção e do consumo estaria dado, podendo resultar em estagflação. É verdade que Trump promete menos regulamentação e menos impostos, estimulando o setor produtivo, mas o gap entre o imediato aumento de custos e o lento aumento de produtividade será inevitável. Por isso, tenho dito em reuniões e palestras que o efeito econômico das medidas protecionistas talvez possa conter os arroubos protecionistas de Trump.
Além do impacto no comércio internacional, e nesse contexto, o acordo Mercosul/ União Europeia será estratégico, não está descartado o fortalecimento do dólar, o que fará o real se depreciar ainda mais, com efeitos inflacionários maiores. E o conflito comercial entre as duas potências, e a tensão nos mercados, podem reduzir o crescimento global e a demanda por commodities brasileiras, reduzindo a entrada de dólares.
Não vamos esquecer, no entanto, que o Brasil é uma das maiores economias do mundo, com enorme mercado interno, e já tem contratado pela inércia estatística um certo crescimento do PIB em 2025. Além disso, o Brasil vem fazendo reformas econômicas importantes, como a reforma tributária, tem uma democracia forte, baseada em instituições resilientes, e isso faz da nossa economia uma alternativa atrativa para investimentos, especialmente se o governo federal não cair na tentação de gastar mais para compensar o quadro desafiador. Ou seja, para enfrentar a Trumponomics será necessário uma política fiscal não expansionista para permitir a queda gradual da taxa de juros.
E A BAHIA NA GUERRA COMERCIAL
O comércio exterior baiano também será afetado nesse contexto. Os Estados Unidos é o destino de 7,5% das exportações baianas. Além disso, é quem mais vende produtos para a Bahia, com 27% do total, com forte participação de nafta e petróleo. Ou seja, a indústria petroquímica está no radar. Já a China lidera a pauta de vendas e compra quase 30% de tudo que a Bahia exporta. E nós compramos dos chineses apenas 10% das importações. Fatalmente a China vai querer aumentar suas vendas para a Bahia e para o Brasil. E tenderá a vender seus produtos mais baratos, o que pode gerar uma queda no preço das commodities. Ou seja, se a guerra comercial acontecer, a Bahia vai estar no meio.
Publicada no jornal A Tarde em 09/01/2025