Até a metade do século passado, a economia baiana estava presa a um enigma: o enigma baiano. A Bahia de então era um estado rico, gerador de excedentes, e com forte especialização no comércio exterior, especialmente na produção de cacau. Mas era também um estado pobre e sem dinamismo já que o excedente produzido por essa economia não era reinvestido aqui e vazava para outros estados transformando-se em consumo supérfluo e improdutivo.
O enigma baiano foi decifrado nos anos 50 com a implantação da Petrobras e a construção da RLAM, depois com a instalação do Centro Industrial de Aratu e, finalmente, em 1978, com a entrada em operação do Polo Petroquímico de Camaçari. A industrialização parecia ser a saída e a partir daí novas indústrias se instalaram na Bahia como o complexo da Ford, o polo de celulose, indústrias de pneus, informática, calçados, bebidas e outras e, mais recentemente, o complexo acrílico da Basf e as empresas de energia eólica. A economia se fez mais complexa e a região Oeste transformou-se num dos maiores polos agroindustriais do país enquanto a fruticultura irrigada, as florestas plantadas, o café, a avicultura e outros segmentos tornavam-se ilhas de modernidade. Ao mesmo tempo, o turismo se expandiu e junto com ele a indústria do lazer e do entretenimento e o estado ampliou sua especialização no setor serviços, hoje responsável por cerca de 70% do PIB baiano.
A Bahia se modernizou, mas continua aprisionada a um novo enigma. O enigma de hoje é semelhante, pois a economia baiana permanece vinculada às commodities e suas oscilações nos mercado internacional. Seja no agronegócio, com a soja e a fruticultura irrigada, na cadeia do petróleo e da petroquímica, na celulose, nos minérios o que se verifica é o aprofundamento da nossa dependência na produção de commodities agrícolas e industriais. E com um agravante: a Petrobras, que representava 30% do Valor de Transformação Industrial em 2015, representou apenas 15% em 2017 e está em fase de desinvestimento. A indústria petroquímica ainda permanece atuante, mas sua âncora, a Braskem tornou-se uma empresa multinacional e a Bahia já não tem tanta importância no seu portfólio de investimentos. E para completar, essa economia tem enorme deficiência de infraestrutura, o que amplia o chamado custo-Bahia e reduz sua competitividade.
Como decifrar esse novo enigma baiano que nos indaga sobre um estado que ainda é um dos mais pobres e desiguais do país, cuja industrialização foi excessivamente concentrada em poucos setores e que possui grandes gargalos na sua infraestrutura? Antes de mais nada é preciso recriar o sistema de planejamento que é fundamental pois fornece subsídios às lideranças empresariais e políticas para que elas possam lutar por projetos factíveis e decifrar o novo enigma, a saber: a) como a Bahia pode aprofundar e diversificar seu perfil industrial e agroindustrial, para inserir-se no novo ciclo de investimentos industriais e pós industriais? b) como destravar investimentos estruturantes e fundamentais como a Ferrovia Oeste-Leste, a construção do Porto Sul e a modernização do Porto de Aratu, só para citar os mais emblemáticos? c) como priorizar recursos, orçamentários ou extra orçamentários para estimular o desenvolvimento e a inovação tecnológica e o investimento maciço em educação, fatores que determinam a competitividade no mundo moderno?
A Bahia precisa responder a essas perguntas. Precisa repensar seu modelo econômico, dar-lhe novo rumo tentando ampliar a transformação de bens no nosso território, verticalizando a produção, aumentando o conteúdo tecnológico da economia, diversificando a base produtiva, estimulando as startups, fazendo turismo de forma profissional e colocando a infraestrutura certa no local certo e na hora certa. A academia e nossas universidades precisam sair da posição cômoda de doutores da teoria pura e integrar-se ao mercado, articulando-se com a indústria e o agronegócio e gerando conhecimento que se transforme em tecnologia e inovação e possa gerar lucro. E o poder público necessita agir para, além do trabalho no âmbito da dotação de infraestrutura, estimular a inversão em novas tecnologias e na indústria 4.0 e nos segmentos do agronegócio e criar vantagens competitivas em setores como o turismo e os serviços, atuando como intermediador e catalizador dos novos investimentos.
Publicado no jornal Correio em 15/01/2019
Armando Avena é escritor, jornalista e economista.
Membro da Academia de Letras da Bahia é doutor em Ciências Sociais e Professor da UFBA.
Foi Secretário de Planejamento do Estado e Presidente da Fundação CPE.