sexta, 25 de julho de 2025
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LONDRES, SALVADOR E O CLIMA – ARMANDO AVENA

Redação - 25/07/2025 06:45 - Atualizado 25/07/2025

Acordo mal-humorado e uma chuvinha fina continua caindo. Há mais de um mês, os dias se repetem assim, úmidos e plúmbeos. Não gosto do clima de Londres e recuso-me a levantar. Sequer corro a cortina da janela no 5º andar do The Cumberland, para ver a chuva caindo em Oxford Street, tão aborrecido estou.

Lembro, todavia, que estou escrevendo o livro “O Manuscrito Secreto de Marx”, uma ficção que brinca seriamente com a hipótese de ele ter sido assassinado, e preciso ir ao Museu Britânico. O livro, publicado em 2011, começa com o velho Karl escondendo um manuscrito nas estantes da sala de leitura do museu e preciso saber onde ele o esconderia. Penso em caminhar um pouco pelo Hyde Park, que fica do outro lado da rua, para assim acostumar-me ao dia, mas a chuva fina não dá trégua. Meus olhos procuram em vão ver o Hyde Park e o Speaker’s Corner, que está a poucos metros. No local, desde o século XVIII, qualquer pessoa pode subir num caixote improvisado, transformá-lo em púlpito e criticar todo mundo, seja o governo, a monarquia ou o vizinho.

Apuro o olhar e surpreendo-me ao ver no horizonte uma enorme nesga de mar e um céu nunca visto em Londres. Percebo, então, que minha mente se desatinou, fruto, talvez, do scotch da noite passada, e desisto da caminhada.

Resiliente, driblo meu humor, após comer o gorduroso breakfast inglês, afinal tenho de ir à estação Marble Arch, do tube londrino, tomar o metrô e descer na Russel Square, passando por Picadilly Circus para ir até o museu. E, depois, ir a 28 Dean Street, no coração do Soho, ver o local onde uma placa azul indica que ali, num cubículo que ele chamava de “antro miserável”, morou Karl Marx. Foi lá, vivendo na miséria, que Karl recebeu o conselho da mãe: “Meu filho, por que, em vez de escrever O Capital, você não vai ganhar algum?”.

Esqueço o Mouro, afinal preciso apressar-me, pois prometi à minha mulher, que é artista plástica, que nos encontraríamos na St. Paul’s para, atravessando a Millennium Bridge, uma elegante ponte de pedestres sobre o rio Tâmisa, ver uma exposição na Tate Modern. Nunca esqueça um encontro marcado com sua esposa, especialmente se foi ela que marcou, diz a sabedoria popular.

Assim, visto um casaco pesado e saio à rua. Inexplicavelmente, um calor insuportável me toma e, ao olhar em volta, vejo que não estou em Londres, mas em Salvador, a bela cidade da Bahia, não em 2011, mas em 2025. Um conluio entre as condições climáticas e a minha irritação com tanta chuva desatinou meu cérebro. E não era para menos: em maio choveu cerca de 24 dias em Salvador e, em junho, 20, e de tal modo que a cidade ficou parecida com Londres – calma, querido leitor, só no clima!

Livro-me do casaco e saio convencido de que o aquecimento do planeta é uma realidade, seja aqui ou em Londres. Felizmente, julho chegou, e a meteorologia diz que haverá sol.

Publicado no jornal A Tarde em 25/07/2025

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