Quando o velhinho passou, o menino não olhou para ele, tão triste estava. Seus olhos miravam o pássaro que cantava e a música era tão bela que não podia dar lugar a tristeza. Por que então o menino parecia triste? Curioso, ele perguntou:
“Por que você está chorando?”
“Porque não tenho o que desejo.”
O velhinho lembrou-se de Alice, que de tanto chorar quase se afoga na água que brotava dos seus próprios olhos, mas preferiu não dizer nada, pois os meninos de hoje não gostam de fábulas, só de vídeos na internet. Perguntou apenas o que ele desejava.
“Eu quero aquele pássaro”
“Querer é um direito seu, mas você precisa saber se o pássaro também lhe quer”
“É claro que ele me quer! Ele vem aqui todos os dias e canta para mim”
“Ora, então seu desejo já foi realizado. Você já o tem”
Pela primeira vez, o menino esqueceu-se de si mesmo e olhou para o velho. Impaciente, retrucou em voz alta:
“Não o quero assim. Eu o quero ao meu lado, inteiramente dedicado a mim. Não quero vê-lo eventualmente, entoando a melodia que lhe dá na telha e depois voando mundo afora. Quero-o sempre, a toda hora, só para mim.
“Hum… Não acho uma boa ideia. Se eu tivesse um pássaro sempre junto de mim iria cansar-me de suas melodias. Ele precisaria voar um pouco para aprender novas canções”, redarguiu o velhinho devagar. E completou:
“E você também deveria voar para apreender o mundo e poder apreciar melhor o canto do pássaro”
O menino não gostou do comentário e respondeu:
“Será que você não entende. Eu fiz planos, sonhei que ele viveria comigo, que cantaria pela manhã para me despertar e que estaria comigo quando eu construísse minha casa. De que adianta ter um pássaro que não pode ser inteiramente meu?”
O velhinho cofiou a barba, preocupado em não fazer um sermão, e respondeu:
“Adianta muito. É sempre bom ter um pássaro cantando pra a gente, mesmo que ele não seja nosso”
“Ah! Você parece esses velhos que querem dizer como a gente deve ser. Pois saiba: eu quero o pássaro só para mim. Quero-o inteiramente para mim, do jeito que eu sonhei. Não sendo assim, prefiro perdê-lo”
“Oh! Nunca deixe ir embora um pássaro que canta para você. Um pássaro enfeita a vida da gente, mesmo que não seja nosso e que cante apenas por alguns minutos. E você poderá tê-lo, não da forma como sonhou ou como deseja, mas da forma como a vida arranjou para que você o tenha.
Contente-se com o momento em que poderá ouvi-lo e peça que ele o ouça quando o som vier de você. E lembre-se: a ausência às vezes torna mais belo o cantar.
O menino ficou a pensar, achando que talvez o velhinho estivesse com a razão. E só então se preocupou em saber quem era ele e por que dizia essas coisas:
“Mas, afinal, quem é você? É Natal, mas eu não acredito em Papai Noel”
“Eu também não! E creio menos ainda em meninos que querem aprisionar os pássaros.”
Publicado no jornal A Tarde em 27/12/2024