O escritor e economista Armando Avena lançou no final do ano passado um romance sobre a heroína negra Luiza Mahin, que é considerada um símbolo na libertação dos negros e da mulher. Nessa entrevista, Avena fala sobre o livro e sobre a personagem.
1- No próximo dia 8 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher. E você tem escritos livros em que dá a palavra a mulher para que ela conte as histórias sob a perspectiva feminina. Foi assim no seu livro, Luiza Mahin, que conta a história de uma heroína na luta pela libertação dos escravos e das mulheres. Qual a sua intenção?
R: A intenção é transmitir a história sob a perspectiva feminina. A História foi durante séculos escrita pelo homens e é com sua percepção que ela chega até nós. Mas a história provavelmente seria diferente se contada pelas mulheres. Veja o caso da Bíblia, do Novo Testamento: Jesus andava por toda a parte acompanhado de homens e mulheres e os estudos mais recentes mostram que ele teve discípulas mulheres, mas a história é contada como se elas fossem apenas coadjuvantes. Mas elas eram protagonistas. É o caso de Luiza Mahin. A historiografia oficial não lhe dá muita importância, questiona inclusive sua existência, no entanto, ela é um personagem fortíssimo no imaginário do povo negro do Brasil. E nesse imaginário, ela é a líder da Revolta dos Malês, uma rebelião surpreendente, pois uniu negros de várias etnias, sob a liderança de negros muçulmanos. Mas a história diz que a liderança era dela e que ela foi o elo principal da corrente. Por isso, quis contar a história com essa perspectiva. De forma romanceada, é claro.
2. Luiza pode ser considerada um símbolo para as mulheres. Pode representá-las no dia 8 de março?
R: Sim, sem dúvida. A vida de Luiza Mahin é um símbolo da luta pela liberdade. Liberdade mesmo na escravidão, liberdade mesmo para quem é mulher. Como escritor sempre tive curiosidade sobre os movimentos que tentam suprimir a liberdade das mulheres, como se tivessem medo delas e procurassem limitá-las, e sempre tive carinho pelas mulheres que lutam para manter-se livres. As mulheres sempre foram um símbolo de liberdade, pois durante todo o sempre a sociedade tentou escravizá-las e os personagens femininos que se rebelaram contra a escravidão sempre me interessaram. A sociedade não dá a palavra as mulheres. Por isso, escrevi o O Evangelho Segundo Maria, para dar a palavra a Maria Madalena e Maria, mãe, cujas vozes foram apagadas das Escrituras. Por isso escrevi Luiza Mahin, para dar voz a uma mulher negra e livre e que permaneceu livre ainda que todos os homens, brancos e negros, tentassem escraviza-las.
3-Qual foi o impulso inicial para a feitura do livro sobre Luiza Mahin.
R:Luiza Mahin está no imaginário da população negra e é uma personagem sempre presente na história oral do Brasil. Ela é nome de praça em São Paulo, nome de rua em Curitiba e está em toda a parte em Salvador, onde é cultuada como heroína. E, no entanto, a historiografia oficial não a reconhece. O impulso inicial foi o desejo de conhecer melhor essa mulher negra que, embora tenha sido escrava, é livre na sua essência e torna-se líder da maior rebelião urbana de escravos no Brasil.
4-Quais detalhes lhe chamaram a atenção na hora escrever o romance?
R: Em 25 janeiro de 1835, aproximadamente mil homens e mulheres, armados e vestidos de branco, tomaram a cidade de Salvador com o objetivo de libertar os escravos e criar um Estado Islâmico no Brasil. Esses revoltosos eram escravos negros muçulmanos alfabetizados, que se uniram a negros animistas (não-muçulmanos) para assim tomar o poder. E fizeram uma revolta foi planejada em todos os detalhes e até um banco foi criado para financiar as ações. Tudo isso foi surpreendente, mas o que me chamou atenção nessa revolta por si só incrível é que entre os líderes havia uma mulher. Minha intenção foi romancear o papel dessa mulher tão linda e tão forte.
%-Por que nem todo historiador reconhece a existência dela?
R: A revolta é muito estudada, mas pouco explicada. Não se sabe, por exemplo, como negros mulçumanos se uniram aos negros de outras religiões, sendo tão rígidos nas suas crenças. Não se sabe tampouco porque eles não atacaram os brancos, os civis, mas só os soldados. Nada disso está explicado, como também a falta de documento sobre um personagem que 185 anos depois está no imaginário de Salvador. A existência ou não de Luiza Mahin causa acalorados debates entre os historiadores e a justificativa é que não existem documentos formais que a identifiquem, mas então como explicar sua presença em Salvador, sendo nome de escola, coletivo e nome de praça em São Paulo e venerada em vário locais do Brasil. Luiza está no imaginário do Brasil e os historiadores necessitam buscá-la com mais afinco.
6-Hoje se usa muito a palavra empoderamento. Luiza já era empoderada antes mesmo da palavra estar em voga?
R: Sim, ela é símbolo da libertação da mulher e da luta contra o machismo, tanto branco quanto negro. No romance, Luiza Mahin tem ascendência entre os negros e é uma mulher livre, uma negra liberta dona do seu nariz e de seus amores. Ela foi amante de Ahuna, líder da revolta muçulmana, mas também de homens brancos, como o do procurador da cidade, o branco Angelo Ferraz. Seu filho, Luiz Gama foi o primeiro poeta negro do Brasil. O romance tenta mostrar que o empoderamento da mulher existiu mesmo entre os escravos. Luiza era uma princesa e, com sua beleza e sua inteligência, pois ela era uma mulher alfabetizada, tinha ascendência sobre brancos e negros.
7-Naquela época a liderança de uma mulher não era algo natural, certo?
R: Não é bem assim. A historiografia sempre procurou ocultar o poder das mulheres. Na Bahia, elas eram mães-de-santo, dirigiam terreiros, eram consideradas guias. Em Cachoeira, as mulheres escravas criaram, há 200 anos atrás, a Irmandade da Boa Morte e eram líderes com muitos seguidores. Sempre houve mulheres empoderadas, mas a História fez por onde escondê-las.
8-Como ela consegue liderar nesse ambiente?
R:Luiza era uma princesa na África e por ter sido escrava dos ingleses, que eram contra a escravidão e permitiam aos escravos muitas liberdades, aprendeu o português e o árabe e passou a transitar por todas as religiões. Tornou-se ecumênica e livre. Essa é a minha Luiza que é de certa forma um símbolo da mulher. E essa é a intenção do romance: contar a saga de uma mulher negra, livre e poderosa e que está no imaginário do povo brasileiro.
9-Quanto tempo de pesquisa foi gasto para essa obra?
R: A pesquisa levou dois anos. Uma pesquisa bibliográfica imensa e muitas horas nos arquivos em Salvador.
10-Quais as maiores dificuldades nessa pesquisa?
R: As poucas referências a Luiza Mahin. Como se todos estivessem dispostos a apagá-la da História. Mas seu filho, Luiz Gama, fala dela com orgulho e diz que ela foi uma guerreira forte e linda. E há outros historiadores e romancistas que também contam sua história. Admito que os historiadores estão com razão quando se queixam da carência de documentos que comprovem sua existência, mas eu sou um escritor, e a licença poética me dá a certeza que ela existiu.
11- O que os leitores podem esperar desse livro?
R: É um romance cuja narrativa acompanha a revolta dos negros muçulmanos, mas entrelaça o movimento com a história e os amores da sua líder, Luiza Mahin. Luiza tornou-se uma negra liberta e dona de seus romances, e se relacionou com um fidalgo português, que derivou no nascimento de seu filho Luiz Gama, o primeiro poeta negro brasileiro. Foi amante de Ahuna, líder da revolta muçulmana, de Diogo e do procurador da cidade, o branco Angelo Ferraz. Essa liberdade irritava brancos e negros. Quem ler o livro verá que Luiza é o principal elo de ligação de diversos personagens recorrentes da tradição oral da Bahia, que terão suas histórias expostas. E a obra retrata aspectos do cotidiano da maior cidade negra do Brasil na época escravista, e a relação de miscigenação imposta entre os Senhores de Engenho e mulheres negras escravizadas.