O gás natural (GN) encontrado na natureza em reservatórios subterrâneos ou associado ao petróleo é uma mistura de hidrocarbonetos com predominância do metano, etano, propano e butano com maior porcentual de metano, podendo chegar a 90%. O GN é usado na geração de energia (calor, eletricidade). O butano pode também ser produzido nas refinarias de petróleo e é muito popular pelo seu uso como Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o gás do botijão. Os gases componentes do GN podem ser separados e usados como matéria prima. Com o metano se fabrica vários produtos e entre eles a amônia, e o gás de síntese, precursores de enormes cadeias de produtos. A partir do etano se obtém o eteno, principal substância básica de toda a indústria petroquímica. O eteno também pode ser obtido a partir da nafta, produto tirado na refinação do petróleo.
Quando os polos petroquímicos de Camaçari e Triunfo foram projetados, se escolheu a rota da nafta por ser um produto relativamente barato e ser produzido nas refinarias instaladas no Brasil. Na ocasião a nafta custava US$ 150,00/t e o GN era pouco explorado no Brasil. As principais plantas da Europa e do Japão usavam a rota da nafta e os Estados Unidos e a maioria dos países asiáticos usavam o etano, separado do GN, como matéria prima principal. O gás natural hoje é um produto de baixo custo e a nafta teve seu preço elevado para cerca de US$ 650,00/t. A indústria petroquímica de São Paulo é abastecida pela nafta produzida nas quatro refinarias da Petrobras instaladas nesse estado, inclusive a maior delas, a de Paulínia. Os polos da Bahia e Rio Grande do Sul importam cerca de metade da nafta consumida e já começaram a modificar as unidades para poder consumir etano.
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) tem defendido a adoção de uma política para o preço do gás que diferencie o gás usado como matéria prima do gás usado na geração de calor e eletricidade separando o metano e o etano contidos no GN. A Abiquim é contra a flexibilização dos limites dos componentes do gás pois os produtores podem aumentar o teor de etano no gás vendido no mercado, sobrando menos etano para a petroquímica. Os produtores de GN e o Instituto Nacional de Petróleo, Gás natural e Biocombustíveis (IBP) defendem o estabelecimento de regras mais flexíveis para favorecer o aumento da produção de GN. A revisão das especificações do GN inclui esse assunto e está sendo feita pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A Abiquim defende que o GN seja tratado pelos produtores na origem, para preservar sua principal matéria prima, o etano, tornando-o mais barato e disponibilizando-o para as centrais petroquímicas. É importante que o gás carbônico removido do GN do pré-sal, seja reinjetado nos poços de petróleo e que o metano seja utilizado nas plantas de amônia e ureia de Camaçari, Laranjeiras e Três Lagoas, esta em construção, para que o Brasil reduza a importação desses fertilizantes, hoje em 85%, eliminando essa imensa vulnerabilidade de nosso agronegócio.
Segundo se noticia a ANP trabalha na elaboração de uma nova resolução sobre as especificações do GN, contendo ao menos as seguintes opções de regulação: a) manter os atuais limites estabelecidos, de, no mínimo, 85% de metano; no máximo, 12% de etano; 6% de propano; e 3% de butano; b) fixar os atuais limites, mas prever mecanismo que autorize sua alteração em casos específicos, por meio de atos administrativos; c) extinguir com os limites da composição do gás — como defendem os produtores.
Acrescento que seria importante estabelecer limites para as margens de comercialização, hoje praticados até o nível de 80% para algumas situações idênticas a monopólio, e se reveja os valores estabelecidos para o Preço de Referência para o GN, assim como para o do petróleo, fixados abaixo dos preços de mercado, e que servem de indicador para pagamento dos royalties devidos aos proprietários de terra, prefeituras, governos estaduais e União. A revisão corrigiria tal prática, considerada em dissonância com as leis, e balizaria de quebra os preços do gás como matéria prima.
O uso do metano como matéria prima na indústria de fertilizantes e do etano na indústria petroquímica deverá merecer atenção especial. Se novas jazidas não forem descobertas no território nacional ou na área da Amazônia Azul, deverão ser estudadas com mais afinco as importações da Bolívia e da Argentina, por ser viável o seu transporte na forma gasosa e representar uma excelente oportunidade de promoção da integração desses países latino-americanos.
Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]