Utilizei a co-produção Franco-Brasileira “Narradores de Javé” como um pano de fundo para a discussão de um artigo no passado e a trago novamente. Só para relembrar, o filme relata o drama de uma cidade do interior do Nordeste prestes a ser submersa pela águas de uma represa. Buscando evitar a inundação ou, em última instancia, justificar uma indenização, os moradores tentam provar a relevância do patrimônio histórico no município. Desprovidos de qualquer tipo de registro documental, os ‘Javeenses’ recorrem a um contador de histórias local conhecido como Antonio Biá, protagonizado pelo ator paraibano José Dumont. A tarefa de Biá é redigir a história da cidade, com destaque especial para os feitos do seu povo. Durante sua jornada, Biá esbarra em contos confusos e desencontrados, descobrindo, enfim, que a cidade não possui feito algum. Não há patrimônio histórico, tampouco glória em seu passado. A cidade então é encoberta pelas águas da represa.
Nos dias atuais, Javé poderia representar qualquer pequeno município brasileiro, em especial, do Nordeste. Na versão moderna de sua ‘destruição‘ não teríamos as águas de uma represa, e sim a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, enviada no dia 5/11 pelo governo Jair Bolsonaro ao Senado. A idéia do governo é que os municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% da receita total sejam incorporados pelo município vizinho. Isso geraria uma economia significativa a partir da redução dos gastos com todo aparato político e burocrático. A proposta ainda é embrionária — ainda não se sabe o que acontecerá com o déficit do município incorporado —, mas dividiu opiniões. Não pretendo discutir questões técnicas e sim um ponto básico: é mais fácil uma comunidade se organizar e, por meio de pressão sobre os seus representantes locais (vereadores ou líderes comunitários), solicitar melhorias aos órgãos públicos ou; é preciso criar uma prefeitura, toda uma estrutura de secretarias, câmara de vereadores etc, para que esse mesmo recurso chegue a localidade?
Analistas locais parecem não duvidar que a criação dos novos municípios foi algo benéfico, mas um simples exercício simples de lógica nos impede de concluir isso. A criação de mais Estado para viabilizar a chegada de recursos em um determinada localidade só faz sentido no mundo onde os recursos são ilimitados. Infelizmente, embora os nossos gestores achem que o dinheiro cai do céu, devemos alertá-los do contrário. As prefeituras, finalmente, estão conhecendo algo que deveria ser básico para quem é minimamente preparado: prazer, sou a restrição orçamentária. A maldita restrição orçamentária poderá nos privar do belo trabalho feito pelo poder legislativo espalhado pelo nosso país. Como conseguiremos viver sem os pedidos de votos de aplausos, sem as concessões de títulos de cidadãos ou os votos de pesar? Sejamos justos, não é só disso que as câmaras de vereadores vivem. Devemos ressaltar a fiscalização eficiente sobre o poder executivo. Basta lembrar que grande parte dos gestores condenados pelos Tribunais de Conta gozam de uma aprovação dessas mesmas contas na câmara dos vereadores (na Paraíba são cerca de 30% dos casos). Por fim, temos os gestores. Esses seres iluminados que carregamos nas costas no período eleitoral coma esperança de que isso resulte em algum emprego nós ou para nossos familiares. Esses sim farão falta. Contratam a rodo na prosperidade. Costumam dar secretarias para parentes de primeiro e segundo graus e praguejam quando a arrecadação cai. Quando o recurso é reduzido. Como viveremos sem eles?
Pelo visto, os Antonios Biás terão trabalho. Será difícil provar que essas Javés são viáveis economicamente. As localidades continuarão existindo. O povo não será deslocado para outro espaço. Quem parece termer mesmo a PEC do Ministério da Economia são aqueles que dependem diretamente disso para viver. Aqueles que exploram a pobreza do povo para obterem benefícios próprios. Para eles só podemos dizer: sai da frente pessoal, pois, as águas da barragem já estão chegando.