A teoria da desigualdade de oportunidades é uma das mais bem sucedidas na explicação das diferenças de rendas individuais. Em poucas palavras, esse enfoque estabelece que parte da renda é determinada por variáveis de esforço, tais como nível educacional, decisão de migrar, horas trabalhadas por ano etc. e; parte por fatores que fogem do controle dos agentes econômicos, variáveis de circunstâncias, ou seja, background familiar (nível educacional e ocupação dos pais), atributos individuais como raça, gênero, idade ou região de nascimento, entre outras. Estudos relacionados à economia brasileira estimam que a influência dos fatores de circunstância – chamada de desigualdade ruim — respondem por pouco mais de 30% no resultado final do indivíduo. Esse número pode parecer diminuto se considerarmos que os 70% restantes são explicados por fatores de esforço — a desigualdade socialmente justificável — e pela aleatoriedade. Contudo, quando comparado com um conjunto de países, esse percentual coloca o Brasil no topo das desigualdades de oportunidade mundiais. Ademais, postula-se que essa influência pode se tornar mais decisiva em cenários com baixos níveis de renda e educação — i.e., caso se considere as camadas mais pobres da população.
Diante desse cenário, surge uma questão central: como combater esse tipo de desigualdade? O candidato natural seria o investimento em educação, em especial a educação básica. Com isso, todos os indivíduos — independente de suas origens — deveriam ser colocados no mesmo ponto de partida, independente de suas origens, e o resultado final seria determinado exclusivamente por seu esforço. Usando a analogia da corrida de 100 metros rasos, a desigualdade de oportunidades ocorreria caso alguns corredores partissem da linha inicial, e outros da linha de 10, 20 ou 30 metros. Equalizar a desigualdade de oportunidades é garantir que todos partem do mesmo ponto. Todos estão alinhados no ponto inicial de partida. O resultado final dependerá apenas do esforço da corrida. Um corolário dessa última conclusão é: caso voce esteja correndo ao lado do Usain Bolt, paciência. Ele chegará na sua frente. Devemos aceitar, pois, ele possui mais habilidade e será merecedor do resultado. Por essa razão classifiquei, no parágrafo inicial, o resultado do esforço como a desigualdade boa, isto é, toda desigualdade fruto do esforço individual deve ser comemorada. Ela é o motor de nossa economia.
Feito esse breve relato, volto a questão de interesse deste artigo. A educação brasileira cumpre o papel de redutora da desigualdade de oportunidades? Infelizmente, o estado da arte atual não nos permite responder a essa pergunta. A literatura tem devotado muito tempo à mensuração do fenômeno e muito pouco (ou quase nenhum) ao papel das políticas de compensação. Em um artigo seminal considerando uma estrutura educacional teórica, o filósofo John Roemer (J. Roemer and B. Unveren, “Dynamic equality of opportunity,” Cowles Foundation discussion paper, 2018), concluiu que, da forma atual, o sistema público de ensino é incapaz de combater esse tipo de desigualdade. Um dos principais entraves é o investimento privado em educação. Em outras palavras, dada uma condição econômica mais favorável, é possível obter um padrão de ensino mais elevado para seus filhos, por melhor que seja o ensino público.
Diante disso, há, pelo menos, três saídas possíveis para os formuladores de política pública: a) não mudar o sistema educacional e forçar a todos — ricos e pobres — a estudar apenas em escolas públicas; b) melhorar a qualidade do ensino público e; c) criar um sistema de vouchers educacionais para a população pobre. A primeira alternativa foi incluída apenas como um exemplo de política autoritária. Não se pode forçar ninguém a alterar uma decisão familiar por vontade do governo. Deixemos isso para as ditaduras. A alternativa “b” parece a mais sensata, pois, a melhoria da educação se encaixa no discurso de qualquer político. Nesse aspecto, poderíamos observar mais de perto quais foram as ações tomadas no município de Sobral, Ceará. Houve, de fato, um choque de gestão? Ele pode ser reproduzido com sucesso no resto do país? Essas perguntas são essenciais para a tomada de decisão “b”, pois, a simples reprodução do sistema educacional atual seria um grande desperdício de dinheiro do contribuinte.
Por fim, a alternativa “c”, ainda impopular, soa como a mais sensata. De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o Brasil gasta cerca de 6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com educação. Esse percentual é superior a Argentina, Colombia, Chile e Estados Unidos. Porém, o desempenho escolar de nossos alunos esta muito abaixo do observado nesses países. A razão para isso tem nome e sobrenome: ineficiência dos gastos governamentais. Diante disso, por que não alocar as nossas crianças em escolas particulares com um custo, muitas vezes, inferior ao custo per capita atual? Por que não, ao mesmo tempo, criar algumas escolas públicas de referência, dando autonomia curricular e administrativa? Os melhores alunos alocados em escolas de referencia e os demais no sistema privado. Todos sob o mesmo sistema de avaliação de desempenho e monitorados pelos órgãos (agencias) governamentais. Isso não é um devaneio. Um relatório recente da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta na direção das conclusões deste artigo (vejam aqui: http://www.oecd.org/education/School-choice-and-school-vouchers-an-OECD-perspective.pdf).
Como podemos notar, as transformações educacionais passam por um longo período de mudanças de direção e de atitude. O debate precisa ser iniciado, pois, até então, os investimentos públicos não mostraram resultados que os justificassem.