

Em artigo publicado no Estadão, no último dia 9 de novembro, o ex-Ministro Roberto Rodrigues afirmou que, embora a COP 30, realizada recentemente em Belém, fosse a COP do Clima, o agronegócio brasileiro iria protagonizar um papel importante, mostrando as contribuições que estão sendo aportadas pelo setor para mitigar as mudanças climáticas, bem como para viabilizar a segurança alimentar e a transição energética.
Convém ressaltar que certos atores costumam usar esses eventos para taxar o setor de vilão, especialmente em relação a itens relacionados com desmatamentos. Essas críticas muitas vezes têm origem em ONGs e em lideres de países protecionistas, mas, não raro, o chamado “fogo amigo” também se manifesta nesses e em outros eventos internacionais.
Um alentado documento foi entregue por Roberto Rodrigues e por lideranças do agro e da frente parlamentar do setor ao presidente da Conferência, Embaixador Correia do Lago, contendo duas partes: a primeira condensa a história dos últimos 50 anos da produção rural brasileira, explicando como foi possível o Brasil deixar de ser importador de 30% dos alimentos consumidos para se tornar um exportador para mais de 190 países. O eixo central dessa evolução vertiginosa foi a tecnologia tropical desenvolvida pelos nossos órgãos de pesquisa , com destaque especial para a EMBRAPA. A segunda parte contém um elenco de propostas para que, com as devidas adaptações , os países tropicais possam replicar parcialmente no desenvolvimento de suas agriculturas, gerando emprego e renda, e contribuindo para cuidar do clima, da segurança alimentar e transição energética.
Enquanto o documento não for divulgado para o público, o nosso propósito aqui nesse espaço consiste em mostrar sucintamente as contribuições em andamento que o setor, os produtores rurais brasileiros e a pesquisa agropecuária nacional estão oferecendo para ajudar a atingir os objetivos acima citados. O efeito poupança-terra, o sistema de plantio direto (SPD), a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o uso crescente de métodos de controle biológico de pragas e doenças nas lavouras e na pecuária, o uso de bioinsumos, a redução das emissões de gases de efeito estufa pela pecuária, a rigorosa legislação florestal, com os elevados coeficientes de Reserva Legal, são algumas dessas importantes contribuições para o clima, a produção , a segurança alimentar e a transição energética. Vejamos alguns breves comentários sobre algumas delas.
O efeito poupança-terra simplesmente estima o tamanho do desmatamento que foi evitado nos últimos 55-60 anos , no Brasil. Se a produtividade média por hectare observada na primeira metade dos anos 1970 para alguns grãos, como soja, estivesse ainda em vigor nos dias de hoje, a obtenção da produção atual de grãos (que está no patamar de 350 milhões de toneladas de Grãos) requereria um desmatamento de cerca de 292 milhões de hectares. Como a safra atual do ciclo agrícola 2024-2025 foi obtida numa área de cerca de 82 milhões de hectares, a diferença entre 292 milhões de hectares e os 82 milhões de hectares usados na safra atual é de 210 milhões hectares. Ou seja, pode-se dizer que foi evitado um desmatamento de 210 milhões de hectares nas últimas 5 décadas, e isso foi possível com a disponibilização de tecnologias de alta produtividade por hectare e sua adoção pelos agropecuaristas brasileiros. E esse cálculo não considera os avanços tecnológicos adotados pelos pecuaristas, pelos reflorestadores de florestas plantadas e outros produtores.
O Sistema de Plantio Direto (SPD) é outra contribuição relevante para o clima. A quase totalidade da produção de grãos adota este método de cultivo, que consiste no plantio direto na palhada da safra anterior, dispensando as operações tradicionais de aração e gradagem, que eram intensivamente feitas com uso de tratores e um enorme consumo de combustíveis fósseis (óleo diesel). Esse sistema evita o revolvimento da terra com arados e grades e isso impede que o Carbono, retirado do ar pelas plantas no processo de fotossíntese e armazenado no solo, escape de volta para a atmosfera. O solo funciona como um “cofre” que “tranca ” o Carbono , o que ajuda a retirar uma certa quantidade de gases de efeito estufa no ar , armazenando no solo. O SPD também protege o solo do impacto da chuva, evitando a erosão , e impedindo também que a terra seja levada pela água ou pelo vento para os rios e lagos, provocando assoreamento.
Um outro ponto importante e que contribui para zerar o desmatamento novo é o fato de que a agricultura brasileira é uma das pouquíssimas no mundo que produz duas e até três safras anuais. Nesse caso, temos as safras de verão plantadas no segundo semestre de todos os anos (soja, milho, arroz, etc.) e, a seguir, temos o plantio das safras seguintes em sucessão aos plantios de verão. Essas são chamadas de segunda safra ou mais popularmente de “safrinha”; e também temos as culturas de inverno, como trigo, aveia, cevada, etc. Atualmente, a produção do milho “safrinha” já é maior que a do milho da primeira safra (no ciclo 2024-2025, a primeira safra de milho foi de 25 milhões de toneladas do grão e a do milho “safrinha” superou as 100 milhões de toneladas). Cabe pontuar que essas culturas que sucedem as lavouras de verão são plantadas em áreas já desmatadas há algum tempo, portanto são áreas já abertas ou antropizadas, como dizem os especialistas, e não geram ou requerem nenhum desmatamento adicional ou novo. Quando advogamos a meta da autossuficiência na produção de trigo e a inserção da Bahia nesse processo, podemos dizer que não haverá desmatamento novo nesse processo, pois o trigo entrará sucedendo as lavouras de verão, a exemplo da sucessão soja-trigo.
A INTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA-FLORESTA (ILPF) é outra forma importante do agro contribuir para o clima e para a sustentabilidade. Os especialistas sustentam que que as árvores e as plantas do Sistema ILPF absorvem o dióxido de carbono da atmosfera através da fotossíntese. Parte desse Carbono fica armazenado nos troncos, galhos e principalmente no solo, o que ajuda a reduzir a quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera. Além de reduzir a necessidade de adubos químicos , o sistema ILPF aumente a produtividade na mesma área, evitando a necessidade de abertura de novas áreas de floresta nativa para fins de cultivo. A pastagem nesse Sistema protege o solo da erosão e serve de alimento para o gado, E as árvores na ILPF proporcionam sombra e conforto térmico para o rebanho , reduzindo o estresse dos animais e aumentando o seu ganho de peso e a produção de leite. Isso tudo ajuda os produtores rurais a terem múltiplas fontes de renda na mesma área e em diferentes épocas do ano (grãos, carne, leite, madeira, lenha,etc.). As árvores do sistema aqui referido têm também a função de sequestrar o carbono da atmosfera, como aliás se observa em áreas de reflorestamento ou de plantio de florestas, atividades essas indiscutivelmente sequestradoras de Carbono . Essa é uma das razões de os climatologistas recomendarem um grande plantio de florestas no Brasil e adoção de incentivos para manter as atuais florestas em pé. As empresas de florestas e papel e celulose , às vezes criticadas por alguns segmentos sociais, deveriam ser premiadas com o pagamento de serviços ambientais, pela vocação sequestradora de carbono das árvores dos maciços florestais , além da produção de celulose e papel.
Outras contribuições do agro para o clima e para o meio ambiente serão abordadas oportunamente. O que é importante reter nesse momento é que o agronegócio, longe de se configurar como um vilão, contribui decisivamente pata tornar o Brasil uma potência agro ambiental, fazendo parte do universo de soluções para enfrentar as mudanças climáticas e para a sustentabilidade, segurança alimentar e transição energética.
(1)Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail: jose.macielsantos@hotmail.com