sexta, 24 de outubro de 2025
Euro Dólar

 SÉRGIO FARIA – CRÔNICAS RODRIGUIANAS

Redação - 24/10/2025 08:53 - Atualizado 24/10/2025

 

“A crônica é o romance do instante”

Nelson Rodrigues, jornalista e escritor (1912-1980)

 

O gênero crônica é ainda muito pouco valorizado no mundo das letras, por vezes até considerado subliteratura, mas, ao contrário do que se possa imaginar, elaborar um texto curto, em linguagem simples, capaz de prender a atenção e despertar o interesse do leitor por fatos aparentemente sem maior importância, é tarefa difícil e trabalhosa, quase sempre um grande desafio, seja para iniciantes ou mesmo escritores mais experientes.

A etimologia revela que a palavra crônica se origina do grego “cronos” (Cronos –   Saturno para os romanos – é um dos titãs, considerado a personificação do tempo). Trata-se de um texto literário breve, uma prosa ficcional, geralmente narrativo e extraído do cotidiano, produzido essencialmente para ser veiculado na imprensa (revistas, jornais e, mais recentemente, internet), retratando ocorrências do dia a dia com o objetivo de proporcionar reflexões mais amplas a partir do fato corriqueiro.

A missão do cronista é transformar uma simples conversa, um gesto ou uma cena de rua em reflexão, de forma leve e espontânea, ou, como bem afirmou a poeta Myriam Fraga, “o cronista acende no escuro da memória algum momento perdido nos escaninhos do tempo e que, súbito, se revela numa palavra, numa frase, numa pequena estória, aparentemente banal, a provocar ressonâncias nos porões do esquecimento“.

Originalmente, a crônica limitava-se a fatos verídicos, mas, com o tempo, jornalistas e escritores se encarregaram de incorporar criatividade e subjetividade para fazer uma narrativa mais atraente, tornando o gênero muito popular e bem aceito pelos leitores.

Em geral, os escritores brasileiros que fizeram história escrevendo e publicando crônicas são nomes de grande destaque também em outros gêneros literários, o que parece ser o exemplo de Nelson Rodrigues que, consagrado como um dos nossos maiores dramaturgos, considerado o “pai do teatro moderno brasileiro”, também se revelou um exímio cronista.

Foi um mestre na arte de prender o leitor e, durante muito tempo, suas crônicas, misturando crítica social, humor e tragédia, foram a maior atração dos jornais).

Seus textos inconfundíveis, as figuras surgidas do nada, do “óbvio ululante”, suas definições, cenários e comparações inigualáveis:“O padre de passeatra”; “A imortal grã-fina com nariz de cadáver”; “O barbeiro de necrotério”;”O canalha que atacava as cunhadas nos corredores”…

Difícil falar de crônica brasileira sem citar Nelson Rodrigues, talvez o mais polêmico dentre os gênios da literatura de sua época.

Reacionário? Nostálgico? Origninal? Visionário? Moderno? Antigo? Contraditório?

Talvez tudo isso, mas polêmico, sempre polêmico… E genial…

Fale mal, mas fale dele… Amado, odiado, impossível ficar indiferente a Nelson Rodrigues.

Cínico, provocador, mordaz, agressivo, sarcástico, cruel, humano…

Nelson Rodrigues é a essência do ser humano e quem não gosta de Nelson Rodrigues, o “Anjo Pornográfico”, a “Flor da Obsessão”, é porque ainda não compreendeu “a vida como ela é”…

 

Sérgio Faria, engenheiro e escritor, presidente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador e membro da ABROL – Academia Brasileira Rotária de Letras

 

Copyright © 2023 Bahia Economica - Todos os direitos reservados.