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CESAR MEIRELLES: NA LUTA ENTRE ESQUERDA E DIREITA, GANHOU A DEMOCRACIA!

Redação - 07/11/2022 08:29 - Atualizado 07/11/2022

“Direita e esquerda ainda existem? E se existem ainda, e estão em campo, como pode dizer que perderam completamente o significado? E se ainda têm um significado, qual é ele?” Norberto Bobbio

Gostaria de iniciar fazendo um necessário disclamer, dado este artigo ter sido publicado inicialmente em 18 de maio de 2020, estando, contudo, atualizadíssimo; portanto, relançamos com as atualizações pertinentes ao momento.

O isolamento iniciado em 11 de março 2020 nos ofereceu rara oportunidade de revisitarmos autores que nos ajudariam a melhor entendermos o momento que estávamos vivendo no mundo e, principalmente, no Brasil. Neste artigo, buscarei trazer subsídios para entendimento dos ânimos políticos, tanto recortados naquele período, quanto no contexto de agora.

Assim como nas eleições de 2018, quanto nesta, de 2022, voltamos a nos deparar, mesmo com o presidente eleito democraticamente, com temas sombrios como (sic) “fechamento do Congresso Nacional e manipulação do STF”, “cerceamento de liberdade de expressão”, “perseguição de cultos religiosos”, “intervenção militar”, “ameaças à imprensa livre”, e por aí segue, tornando as noites ainda mais insones, daqueles que, desde fevereiro daquele ainda não distante 2020, conviveram diretamente com uma pandemia que já vitimou mais de 687 mil vidas brasileiras, e um embate pouco civilizado entre fraternos amigos, membros da mesma família e companheiros outrora queridos e respeitados.

Para acalmar meus inquietos questionamentos, reli àquela época a lucidez do cientista político, filósofo e historiador italiano, Norberto Bobbio (1909-2004), através de sua obra “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política” (Editora Unesp, 1995) (https://web.archive.org/web/20161009182449/http://www.libertarianismo.org/livros/nbdee.pdf).

Diante da complexidade do tema, contudo, recorri humildemente a algumas notas e traduções da obra de Bobbio, por respeitados brasileiros, como as do professor e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), Miguel Reale (1910-2006), em “Os legados de Norberto Bobbio” (http://www.academia.org.br/artigos/os-legados-de-norberto-bobbio) bem assim da apresentação da própria obra, objeto deste artigo, do cientista social e doutor em ciência política pela USP, Marcos Aurélio Nogueira.

Bobbio apud Reale, era um filósofo que “timbrava em extrair o suco essencial das doutrinas, sem se filiar a nenhuma delas, enxergando liberdade e igualdade como valores necessariamente complementares”. Para Bobbio, na visão de Reale, o liberalismo e socialismo, não seriam ideias ou ideais contrapostos, mas deveriam, ao contrário, encontrar conciliação entre si, na medida em que o permitam as variáveis situações históricas de cada povo.

Essa compreensão de si, contudo, não impedia Bobbio de se considerar um “homem de esquerda”, posto que, a seu ver, se justificará “até e enquanto houvesse tantas desigualdades e exclusões sociais como as que ainda existem” (análise de 1998). Se liberalismo e socialismo convergem no sentido de uma solução conciliadora, todavia, tanto o “socialismo liberal” quanto o “liberalismo social”, em sua preferência, apontam para o centro superador do conflito das ideologias.

Extrai, em aprofundamento, da apresentação que faz Nogueira à obra de Bobbio, cujas notas e citações fazem clarear ainda mais esse exercício.

Façamos portanto uma digressão sobre a dicotomia clássica entre esquerda e direita, cuja díade, entre destros e esquerdos, no fim do dia, dedicam-se a formulações de programas idênticos, objetivando os mesmos fins, podendo, desta forma, serem não posicionados em campos opostos, e sim, no máximo, como progressistas (esquerdas), e conservadores (destros).

Ocorre que a carga presente nos polos contrários, vem e segue eivada de emoções, muito provavelmente, impregnada desde o século XVIII (Revolução Francesa, 1789-1799). O fato é que o período pós-Guerra Fria (1947-1991) reduziu a força da esquerda, globalmente, vindo buscar uma nova definição, princípios e desafios, que encontrassem clareza teórica e renovação ideológica, levando a estruturar os debates (e embates) políticos dos dias atuais.

Um grande desafio, portanto, estaria lançado; a busca por encontrar o equilíbrio (ou o significado) do pensamento político, cultural entre as ideias aparentemente consideradas contraditórias, do liberalismo e do socialismo.

O fato é que o sentimento político se vê recheado cada vez mais de paixões, contrastes e contradições, empurrando a peleja entre esquerda e direita, não necessariamente para o campo ideológico, mas sim, para disputa pelo poder!

Sem embargo, a queda do Muro de Berlim (09/11/1989) terminou por considerar ultrapassada a divisão entre esquerda e direita, e, ao que parece, a díade passaria, ao longo do tempo, a não despertar os mesmos interesses de antes!

Naquele novembro, diante da televisão, junto ao meu pai, em Salvador, fundador que foi do Partido Socialista Brasileiro (PSB), na Bahia, colocava-se atônito vendo ruir não só os blocos de concreto do muro, mas sim, desmoronar uma utopia de toda uma vida! Carlos Meirelles, trazia em si uma longa história de luta política sempre no campo democrático. Fora presidente do CNP (Conselho Nacional do Petróleo), cassado pelo golpe militar de 1964, quando substituía o jurista baiano Josaphat Marinho. Meirelles esteve junto de homens públicos notáveis como Otávio Mangabeira, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola, Oswaldo Lima Filho, Cristina Tavares, Waldir Pires, dentre outros!

Com olhos marejados, meu pai dizia que o mundo jamais seria o mesmo e dificilmente encontraria seu caminho de redenção. Segundo ele, o socialismo não tivera tempo suficiente durante o período da Guerra Fria para aprender a governar a complexidade plural das muitas nações; e o capitalismo não tinha, nem teria a incumbência e o compromisso de estabelecer um mundo equânime, inclusivo e democrático, pois não era essa a gênese da sua formação. Meu pai era um autêntico social-democrata!

Independentemente das crenças e ideologias, a verdade é que a queda do Muro de Berlim deixou às vísceras as contradições do comunismo mundial e, simultaneamente, fez escancarar as contradições do capitalismo!

Retornando a Bobbio, iremos ver que propõe a observação dessa problemática de todos os ângulos e, de todas os lados. O “moderantismo” político de Bobbio não pressupõe o negativismo como oposto ao radicalismo, mas sim, positivamente como oposto ao extremismo, considerando que os dois métodos terminam por interagirem reciprocamente.

O método analítico, segundo Bobbio, ensina que a realidade é bem mais rica do que as tipologias abstratas, as quais devem ser continuadamente revisadas para permitir novas interpretações, novas leituras e entendimentos do que se considerava consumado.

Desta forma, é preciso questionar as posições, as defesas e os conceitos defendidos pelos polos rivais. É preciso estarmos sempre atentos ao fato de que o conceito extremista traz mais sutilezas para análise do que verdades absolutas! Posições de esquerda e direita indicam programas contrapostos não com relação à ideologia, mas com relação à diversos problemas cujas soluções pertencem, geralmente, a ações políticas, cujos contrastes não estão restritos a ideias, nem ideais, mas sim em relação à interesses e questões de valoração (poder).

Pensar e defender que o senso de direita e esquerda indicam questões ideológicas apenas, é incorrer em um grave erro de reducionismo dialético, ou, ingenuidade pueril!

A partir daqui podemos inferir que na visão de Bobbio, nas sociedades democráticas contemporâneas, não se sustenta a separação nítida entre esquerda e direita, dado tolerarem a divisão de grupos de opinião e de interesse os quais, as vezes se contrapõem, outras se sobrepõem; as vezes interagem, para depois se separarem; não raro se aproximam em defesa de um propósito e/ou interesse, para depois darem-se as costas!

Na visão dos adversários extremistas, seus maiores inimigos são exatamente os moderados, dado que, exatamente estes, naturalmente são defensores do diálogo, da democracia, sendo, portanto, os verdadeiros representantes do regime democrático.

Dito isso, depreende-se que extremistas de esquerda e de direita têm em comum serem antidemocráticos e, a antidemocracia aproxima-os não por aquilo que representam no alinhamento político, mas apenas na medida em que representam as alas extremas naquele alinhamento, ou seja, os extremos se tocam!

Da análise feita, emerge, talvez, um evidente paradoxo! Em toda forma de extremismo político, existe uma fortíssima veia de antiliberalismo! Como pode, portanto, governos defenderem teses, postulados e programas liberais, se na sua essência dialogam com ações, medidas e ideologias conservadoras, quando não, totalitárias?

Corroborando, portanto, a tese de que os extremos se tocam, “…que, do ponto de vista dos moderados, não são opostos, mas sob muitos aspectos análogos…” (BOBBIO, 1998, pg. 55), é que nesse mesmo universo, no qual as partes duais, terminam sendo interdependentes, no sentido de que uma existe se também a outra existir.

Pois bem, segundo Bobbio, na linha contínua entre esquerda e direita, encontra-se uma posição intermediária, um campo central. Ao longo da obra, Bobbio trata poder ser esse espaço central, como o “terceiro excluído”, ou o “terceiro incluído”, a depender da análise realizada, a antítese da esquerda ou da direita, a qual resulta no “ou-ou” e, nesse espaço intermediário, simbolizaria o “nem-nem”.

Seria este campo o que vem sendo teorizado por muitos como o estabelecimento de uma “terceira via”? Desde a década de 90, a exemplo do ex-presidente Bill Clinton, dos EUA (1993-2001); do ex-primeiro ministro Tony Blair, do Reino Unido (1997-2007); e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do Brasil (1995-2002), esse tema vem sendo estudado, tratado e discutido.

Como este artigo não tem a pretensão de ser uma releitura da citada obra de Bobbio, mas sim, nela alimentar-se de conceitos que melhor possam clarear o momento político em que vivemos, enfatizaria um dos pontos, ao meu ver, mais esclarecedores da obra, de que extremismo e moderantismo, não coincide com a díade direita e esquerda, como vimos nos parágrafos anteriores.

Diante disso, infere-se que ideologias de esquerda e de direita estão, desde há muito, em crise, podendo vir a ser, de difícil identificação, a fronteira exata entre cada qual. Assim, é bastante razoável aceitar que nos tempos atuais existem “muitas direitas”, assim como existem “muitas esquerdas”.

Desta forma, salvo melhor juízo, interpreto como sendo o melhor entendimento e forma de participação do mundo político, a identificação mais exata dos programas e projetos de governo, as propostas de políticas públicas estruturadas em ações sustentáveis, inclusivas, plurais, isonômicas e exequíveis, deixando-se de lado a intolerância política extremada, e seu viés sectário.

Nesse contexto, ainda buscando enfatizar a crise de identidade entre os extremos ideológicos, não seria estupefaciente se depararmo-nos diante de governos tidos de direita, os quais, encontrando-se em dificuldade, para buscar renovação e apoio, lançassem mão de ideias e teses de esquerda, ou vice-versa, pondo, no chão, os teóricos conceitos ideológicos tradicionais.

Penso que, independentemente do matiz do campo da política onde se veja qualquer governo, a questão que se deve combater por toda a sociedade é a gana de poder pelo poder, de apropriar-se de crescentes e incontidos privilégios, usurpando, assim, os direitos do povo e dos cidadãos, ou a garantia da própria democracia.

O desafio, portanto, é fazer com que os mandatários empossados se afastem de fanatismos ideológicos e de agendas de costumes não aderentes ao Estado Democrático de Direito, que só fazem confundir ainda mais os cidadãos, e partirem para o campo pragmático da formulação e execução de políticas públicas de interesse efetivo da população, as quais devem ser isentas de viés político relacionado a posições extremadas. A democracia é o único campo possível, seguro e saudável para o convívio social e o exercício político pleno.

Em 30 de outubro de 2022 temos essa vitória assegurada pelas urnas, pelas instituições brasileiras e por todos os países com o quais temos relações diplomáticas, confirmando que menos a esquerda venceu, tampouco a direita, ainda que tenham obtido expressivas votações, mas a vitoriosa foi e é, inquestionavelmente e indubitavelmente, da democracia, e que magnífico é isso!

Um país que prima pela democracia, precisa, imperativamente, questionar o estabilishment do poder dominante, entendendo-se como estabilishment, segundo o filólogo Houaiss, como “grupo sociopolítico que exerce sua autoridade, controle, ou influência, defendendo seus privilégios; ordem estabelecida e sistema.” O estabilishment quer, a todo custo garantir o status quo do poder, dos privilegiados.

Entendendo que a busca consciente deve estar fora da díade dos extremos entre esquerda e direita, encontrando-se no racional campo plural, que busque a inclusão social em todas as suas formas, bem como a estabilidade da população. A miséria e a pobreza, não podem ser nem bandeira de uns, nem o esquecimento de outros. Nenhuma nação resgatará a sua dignidade se não enfrentar com altivez, transparência, determinação, responsabilidade, e competência, estas pautas. Fome não se discute, tem que ser debelada!

De igual forma, nenhuma nação haverá de se tornar democraticamente soberana, com indicadores econômicos pujantes, se amargar desigualdades sociais como as que registramos no Brasil. O Índice de Desenvolvimento Social (IDH) do Brasil nos coloca na vergonhosa 79ª. posição.

Resultado de uma concentração de renda criminosa! No Brasil, o 1% da população (os cidadãos mais ricos) concentra 28,3% da renda total do país, seguido apenas do Catar cuja proporção é de 29%. Isso representa que quase um terço da renda do país está nas mãos de um grupo mínimo e restrito de privilegiadas pessoas.

Findo este artigo convicto de que não precisamos engrossar as hordas do fanatismo ideológico-político, pois seus defensores, são suficientes para suicidarem-se nos seus incautos propósitos os quais apenas a eles servem. Patriotas fanáticos que se grudam em para-brisas de ônibus, parlamentares armados que acreditam serem a voz da razão e têm licença para matar, produção de orçamento secreto, dinheirama distribuída viva para compra de imóveis, sigilo de 100 anos para esconder as lambanças da corte, não fazem parte do regime democrático, portanto, é mister e de imediato, que essas correções sejam produzidas com a entrega da paz e da estabilidade que precisa o povo para viver e trabalhar.

Há uma nação maravilhosa a ser defendida, um povo fantástico para ser considerado e respeitado, uma economia rica e diversa para ser impulsionada! Precisamos de mais serenidade, equilíbrio, sensatez e senso de brasilidade, o que, para tanto, segundo o filósofo grego Aristóteles (385 a.c. – 323 a.c.) demanda muita coragem e misericórdia.

Para que haja as reais mudanças em todos nós e em nossa sociedade, em líderes dos setores públicos e privados, empresários, cidadãos em geral; para que redirecionemos nossos entendimentos voltando-nos a uma outra ordem de coisas mais republicana e comprometida com o desenvolvimento social, encerro citando outro filósofo, o italiano Nicolau Maquiavel (1469 – 1527), quando defendia que: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem, e apenas defensores tépidos, nos que lucrariam com a nova ordem”.

Não há saída fora do Estado Democrático de Direito!

Carlos Cesar Meireles Vieira Filho é mestre em administração pela UFBA, é consultor e conselheiro de empresas, tendo sido superintendente do PromoBahia, executivo sênior de operadores logísticos como a Columbia Nordeste, Grupo Lachmann, Santos Brasil, Grupo TPC, Multilog e Katoen Natie. Foi fundador da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), tendo sido seu presidente por nove anos. É conselheiro pela FDC e MBA em Relações Governamentais pela FGV. É conselheiro da FIEB e é sócio-diretor da Talentlog – Consultoria e Planejamento Empresarial Ltda.

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