Não adianta se preocupar com as peças do xadrez se não se conhece as regras do tabuleiro. No mercado de créditos de carbono, avanços tecnológicos permitem medir a captura de CO₂ com alta precisão, mas essa sofisticação de nada vale se não há clareza sobre a titularidade das terras onde as florestas estão localizadas. Sem uma base jurídica sólida, qualquer tentativa de comercialização desses créditos se torna um risco.
O mercado de créditos de carbono tem sido impulsionado por avanços tecnológicos que buscam medir com precisão a captura de CO₂ pelas florestas. Sensores ultrassensíveis, inteligência artificial e modelagem molecular são algumas das técnicas utilizadas para quantificar o estoque de carbono em cada árvore. No entanto, há um problema que nenhuma dessas inovações consegue resolver: a indefinição sobre a titularidade da terra onde essas árvores estão plantadas.
O direito de vender créditos de carbono não se resume à comprovação da captura de CO₂. É imprescindível que haja clareza sobre quem detém a propriedade da área florestal, já que, sem essa definição, não há segurança jurídica para as transações. Empresas e fundos interessados em adquirir esses ativos ambientais enfrentam riscos elevados quando a posse do território é incerta ou contestada.
A questão fundiária é particularmente complexa em países onde a governança da terra apresenta fragilidades. Em muitas regiões da Amazônia, por exemplo, há sobreposição de títulos, registros imprecisos e ocupações informais. Isso significa que, mesmo que uma floresta seja rigorosamente monitorada em termos de captura de carbono, o crédito correspondente pode estar vinculado a uma propriedade cuja titularidade não é incontroversa.
Além da insegurança jurídica, a ausência de definição clara sobre a propriedade da terra pode gerar conflitos socioambientais. Comunidades indígenas e populações tradicionais frequentemente reivindicam direitos sobre territórios utilizados para a venda de créditos de carbono por empresas privadas. Sem um marco regulatório sólido, esses conflitos podem se agravar, colocando em risco a viabilidade de projetos de conservação.
Organismos internacionais e investidores exigem garantias antes de ingressar no mercado de carbono. Um dos critérios fundamentais para a certificação de projetos de carbono florestal é a comprovação de que a terra tem um titular legítimo e que este possui o direito de explorar economicamente o sequestro de carbono. A falta dessa comprovação inviabiliza negócios e afugenta potenciais compradores.
O problema não se restringe a países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, disputas sobre direitos de uso da terra e sobre propriedade de árvores plantadas em áreas privadas têm gerado litígios envolvendo créditos de carbono. Em alguns casos, há divergências sobre se o proprietário da terra é o único detentor dos direitos sobre o carbono sequestrado pelas árvores ou se arrendatários e concessionários podem reivindicar participação.
Para que o mercado de carbono avance, é necessário investir tanto na regularização fundiária quanto na criação de mecanismos claros de reconhecimento da titularidade dos créditos. Empresas brasileiras, como a JusMapp, têm se dedicado exclusivamente a lidar com esse caos fundiário, desenvolvendo soluções tecnológicas para garantir segurança jurídica ao mercado de carbono. Sem essa base jurídica, qualquer medição científica de CO₂ armazenado se torna irrelevante para fins comerciais.
A digitalização dos registros de terras e a interoperabilidade entre diferentes bases de dados podem contribuir para reduzir a incerteza. No entanto, esses esforços devem ser acompanhados por reformas legais que garantam que os títulos emitidos tenham validade incontestável. A ausência de políticas eficazes nessa área pode fazer com que mercados emergentes de carbono fracassem antes mesmo de se consolidarem.
O paradoxo atual é que há tecnologia para medir a captura de carbono no nível molecular, mas questões básicas sobre quem tem direito a vender os créditos correspondentes seguem sem solução. Isso cria um ambiente de negócios arriscado e reduz a credibilidade do próprio mercado de carbono como instrumento de mitigação climática.
A ausência de clareza fundiária também abre brechas para fraudes e especulação. Há casos de áreas desmatadas que, anos depois, são reflorestadas artificialmente e utilizadas para gerar créditos de carbono sem que haja comprovação de que os novos plantios representam um adicional real na captura de CO₂. Sem uma governança transparente, o mercado se torna vulnerável a abusos.
Governos, reguladores e investidores precisam compreender que o sucesso dos mercados de carbono não depende apenas de avanços tecnológicos, mas também da capacidade de garantir que as transações tenham segurança jurídica. A regulamentação clara da propriedade da terra é um requisito tão relevante quanto a precisão na medição da captura de carbono.
Enquanto essa questão permanecer sem solução, iniciativas sofisticadas de monitoramento de carbono continuarão fracassando na prática. Nenhum modelo científico ou sensor de última geração pode compensar a falta de regras claras sobre a titularidade da terra. Sem essa base jurídica, o mercado de carbono seguirá sendo uma promessa frustrada, incapaz de cumprir seu papel na transição para uma economia de baixo carbono.
Luiz Ugeda é advogado e geógrafo. Pós-doutor em Direito (Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG) e doutor em Geografia (Universidade de Brasília, UnB).