quarta, 29 de janeiro de 2025
Euro 6.1087 Dólar 5.8892

LUIZA, OS MALÊS E O LUGAR DE FALA – ARMANDO AVENA

Redação - 25/01/2025 09:24 - Atualizado 26/01/2025

 A Revolta dos Malês completa 190 anos. No dia 25 de janeiro de 1835, cerca de 600 homens e mulheres escravizados, vestidos com batas brancas e torsos na cabeça,  armados de facões, navalhas e parnaíbas,  tomaram a cidade de Salvador por um dia em busca de liberdade.

É uma saga impressionante e bela, um libelo em prol da liberdade que encantou este escritor e o levou a escrever aquele que seria um dos seus livros mais vendidos e o que mais chamou atenção da crítica e do público:  Luiza Mahin: Os amores e a luta da líder da rebelião que reuniu todas as etnias para libertar os escravos e fundar um Estado Islâmico no Brasil.

É uma saga intrigante e encantadora.  Intrigante porque, embora liderada por negros muçulmanos, a revolta uniu as nações africanas –  nagôs, jejes,  ketus e haussás e outras – com costumes e crenças diferentes, que, irmanados, foram às ruas em busca da liberdade.  Que estranho desiderato foi capaz de unir negros que veneravam Maomé com aqueles que reverenciavam os Orixás?

Encantadora porque, mesmo a historiografia oficial não reconhecendo sua existência, entre os líderes havia uma mulher, uma princesa de nome Luiza Mahin.

Que estranho desiderato foi capaz de, apesar da escassez de registros, fazer de Luiza um símbolo de liberdade, presente há quase dois séculos na história oral da Bahia, nome escola e de coletivo em Salvador e de praça em São Paulo?

É uma saga de envergadura e honradez. Envergadura porque mesmo escravizados, os líderes planejaram a insurreição em detalhes, mapearam os sítios que seriam atacados, definiram os objetivos e criaram um banco para financiar a revolta. E, não fosse um ato de traição, talvez a história fosse outra.

Honradez, porque esse pequeno exército armado e organizado, mesmo marchando pelos bairros ricos da cidade não atacou mulheres e crianças, limitou-se a assaltar fortes e quartéis e a lutar contra as forças que os oprimiam.

Quando escrevi o livro sobre Luiza Mahin estava imbuído desse encanto e ele foi tão forte que tivesse ela existido ou não, isso não teria qualquer importância. Minha Luiza era  licença poética, era alegoria para lembrar a força de um povo em busca da liberdade.

Tampouco dei importância a um identitarismo bronco, que alertava que só quem tem a vivência grupal pode produzir literatura negra ou só quem tem a vivência feminina pode escrever sobre as mulheres.  Este escriba, que já se havia feito mulher para escrever  Maria Madalena: Evangelho Segundo Maria na primeira pessoa, faz apenas literatura, sem adjetivos. Mas é sempre bom lembrar que o homem não precisa ter uma brasa na mão para saber que ela queima

A Revolta dos Malês é página da nossa história e empodera os negros do Brasil. Luiza Mahin é fábula que ajuda a reconhecer quem você é. Luiza Mahin é mito e, como dizia Fernando Pessoa, “o mito é o nada que é tudo”.

Publicado no jornal A Tarde em 24/01/2024

Foto: Divulgação

Copyright © 2023 Bahia Economica - Todos os direitos reservados.