A necessária implantação da Hidrovia do Rio São Francisco é um desses achados nacionais que, de repente, revelam ao país uma nova fronteira de desenvolvimento, carente apenas de integração viária. Trata-se de uma vasta área onde a economia insiste em florescer, apesar da carência de infraestrutura. Uma questão de pura solução logística!
Subindo o rio, o primeiro trecho se estende de Juazeiro (BA)/Petrolina (PE) até a eclusa de Sobradinho, com 42km de extensão. Utilizado para o turismo, nas condições em que se encontra, na rota da uva e do vinho, requer o derrocamento de 28 pedrais, devidamente georreferenciados, para criar uma segura faixa de navegação, com 72m de largura, um projeto já licenciado pelo IBAMA desde 2006.
Para entender a importância econômica deste polo, somente a comercialização de frutas in natura faz da Ceasa de Juazeiro a segunda maior do país em volume de negócios!
Os custos de implantação da hidrovia deste trecho, aliás, deveriam ser imputados à CHESF, que opera a Usina Hidrelétrica de Sobradinho, para a realização das obras que assegurarão as condições de navegabilidade, em face dos impactos decorrentes da Curva de Aversão a Risco, elaborada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Segue-se o trecho do Lago de Sobradinho, com 211km, que não apresenta problemas para a navegação, demandando apenas sinalização. Outros 80km mais, de Pilão Arcado a Xique-Xique, na área de depleção do reservatório, onde o rio decanta grande quantidade de detritos e sofre a ação de desbarrancamentos, tem a navegação dificultada na época de cotas mais baixas.
Em Xique-Xique encontra-se o projeto de irrigação do Baixio de Irecê – o primeiro sob regime de concessão no país – com 49.100ha de área irrigável, um importante polo gerador de cargas.
O trecho seguinte, de Xique-Xique a Ibotirama, tem 234km de extensão, alcançando o terminal de transbordo de grãos existente na margem esquerda, em Muquém do São Francisco. Apresenta aqui uma economia promissora, cujo dinamismo e expansão não tem sido inibido, mesmo com a ausência da hidrovia.
Neste trecho, à margem esquerda do rio, desenvolve-se o polo sucroalcooleiro do médio São Francisco, com base em agroindústria e bioenergia, com três unidades em implantação e a expectativa de contar com a hidrovia para escoar sua produção. Ressalte-se que a Bahia produz apenas 14% do açúcar e somente 12% do álcool consumido no estado!
À margem direita concentra-se a produção de energia eólica e solar, no que a Bahia é líder nacional, aliás, objeto de uma equivocada política de transmissão para outras regiões, ao invés de tornar-se instrumento do desenvolvimento da região Nordeste. Oportunidade única, que a natureza concedeu, e que a política pública está esterilizando.
No trecho de Ibotirama/Muquém a Juazeiro/Petrolina, com 567km de extensão, a meta do Plano Piloto, de 2002, é o aprofundamento da faixa de navegação para 3,0m, a fim de permitir a operação de comboios com 2,5m de calado, capacidade de carga de 10.000t e velocidade de 15 km/h.
Daí, o próximo porto é Bom Jesus da Lapa, à distância de 156km, onde haverá uma importante integração intermodal com a Ferrovia de Integração Leste-Oeste (FIOL), cujo trecho II teve as obras para sua conclusão recentemente contratadas.
De Bom Jesus da Lapa até Pirapora (MG) são outros 648km, onde novamente ocorrem pequenos pedrais e assoreamento, mas também onde há uma expressiva agricultura irrigada e produção de grãos.
O estado da Bahia, por sua Secretaria de Planejamento, tem investido em estudos e projetos, diversos e aprofundados, que se realizam desde 1998, contando com a liderança do economista Antonio Alberto Valença e apoio técnico do engenheiro naval Joaquim Carlos Riva Adoção, tendo como objetivo restabelecer a navegação em escala comercial na hidrovia nos 365 dias do ano. No Senado, dediquei-me com afinco à defesa do Vale do São Francisco, tendo relatado duas comissões especiais, por mim propostas.
Demonstrando a forte vocação da área, duas empresas agroindustriais chegaram a atuar na hidrovia de forma pioneira, enfrentando as dificuldades que se apresentavam, mas vislumbrando projetos ambiciosos.
A Caramuru Alimentos transportou consideráveis volumes de soja pelo rio, entre 1999 e 2006. Nessa época, afretou comboios da FRANAVE e transportou soja de Muquém a Petrolina, onde operava, mediante arrendamento, uma antiga indústria, tendo chegado a firmar, com o Estado da Bahia, Protocolo de Intenções para implantar, em Juazeiro, uma esmagadora de 600.000 t/ano de soja, para atender ao mercado nordestino, numa réplica do vantajoso modelo intermodal que opera na Hidrovia Tietê-Paraná.
Por sua vez, a Icofort Agroindustrial, que processa caroço de algodão, foi a última empresa a utilizar a hidrovia. De 2004 a 2006 utilizou os serviços da FRANAVE e, após sua extinção, tornou-se operadora hidroviária, com frota própria de embarcações, tendo atuado, de 2009 a 2014, com o propósito de transportar seus próprios insumos e atender a terceiros. Hoje a Bahia é o 2º maior produtor nacional de algodão!
A economia da região assegura um fluxo de cargas diversificadas, abrangendo gesso, fertilizantes, cimento, combustíveis, açúcar, etanol e produtos agrícolas, com destaque para os grãos produzidos no Oeste baiano, a maior área produtora do Matopiba.
Não há como nem por que a Hidrovia do Rio São Francisco ficar fora do programa de aproveitamento dos rios e lagoas navegáveis do país.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.