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ENTREVISTA COM FÁTIMA GIOVANNA COVIELLO FERREIRA, DIRETORA DE ECONOMIA DA ABIQUIM FALANDO SOBRE A SITUAÇÃO DO GÁS NO BRASIL

João Paulo - 19/08/2024 05:00 - Atualizado 19/08/2024

Bahia Econômica – Como o aumento do preço do gás tem interferido na situação petroquímica da Bahia?

Fátima Ferreira – A indústria química brasileira vem sendo muito impactada pela falta de competitividade de suas principais matérias-primas. No que se refere ao gás natural, enquanto a indústria nacional paga um valor de US$ 12,4/MMBTU, o mesmo gás é vendido por cerca de US$ 1,5/MMBTU nos Estados Unidos, por US$ 8,6/MMBTU na Europa e, na fronteira da Bolívia com o Brasil, por U$ 6,2/MMBTU.

Importante destacar que, além das diferenças já tradicionais de preço de gás, a China e a Índia estão se aproveitando do petróleo e do gás russo mais baratos em função das sanções comerciais impostas pela Europa. Sem opção de vendas seu gás no mercado europeu, a Rússia encontrou um destino promissor na China e em outros países da região, que compram esses recursos muito abaixo do preço internacional. Consultorias citam que a China está comprando petróleo russo a cerca de US$ 25-30/barril, contra uma média mundial praticada da ordem de US$ 80/barril. O mesmo vem ocorrendo com o gás.

Levando em conta que a indústria química é atualmente a maior consumidora de gás do setor industrial, com cerca de 25 a 30% do total vendido para toda a indústria, o preço do insumo tem interferido drasticamente, afetando diretamente a competitividade do setor.  O impacto do preço do gás e de outras matérias-primas mais caras está refletido no baixo índice de utilização da capacidade instalada da indústria química brasileira, que operou a apenas em 63% nos primeiros seis meses deste ano, três pontos percentuais abaixo do registrado na média de igual período de 2023. Destaque para o grupo intermediários para fertilizantes, que recuou de 67% o uso da capacidade instalada entre janeiro e junho do ano passado para apenas 58% nos seis primeiros meses de 2024, sobretudo pela hibernação das plantas de intermediários para fertilizantes do grupo Unigel, sendo que uma dessas plantas está localizada em Camaçari. Também na Bahia, houve a paralisação da planta da FORTAL.

O baixo índice de uso da capacidade instalada está levando diversas empresas a repensarem a manutenção de seus ativos em operação.

Para reverter essa situação, será preciso reduzir, urgentemente, para um valor máximo de US$ 7/MMBTU entregue na fábrica, o preço do gás natural para evitar o fechamento de novas fábricas.

Bahia Econômica – Quais mecanismos o setor tem utilizado para minimizar os danos do aumento?

Fátima Ferreira – Na verdade, a situação é demasiada complicada e não há hoje substitutos alternativos para o gás e nem para a nafta utilizada como matéria-prima, que pudessem minimizar os danos. A Abiquim vem atuando junto ao governo federal no sentido de inverter a lógica atual de precificação de suas matérias-primas principais, baseada em importação, como no caso do gás, cuja referência utilizada no Brasil é o GNL, o gás mais caro do mundo, sendo que a maior parcela da oferta é de produção local. Além disso, também vem atuando em encontrar alternativas/mecanismos de defesa comercial que possam ser adotados visando preservar o parque instalado atual em detrimento de importações oportunísticas, baseadas em competitividade de matérias-primas por conta de guerras.

Dentre as principais  iniciativas do setor no sentido de contornar, em âmbito geral, a atual crise, destacam-se:

⦁             A Abiquim vem intensificando cada vez mais seu trabalho para levar ao governo pleitos emergenciais e estruturantes por meio de audiências com os Ministérios da Casa Civil, do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Minas e Energia; Fazenda.

⦁             Participação em reuniões importantes de grupos de trabalho como Gás para Empregar e Gás para a Indústria;

⦁             Participação ativa na Coalização pela Competitividade do Gás Natural Matéria-Prima (CCGNMP), incluindo a elaboração de um amplo estudo que foi entregue ao MME com alternativas para expandir a oferta de gás, reduzindo os atuais níveis elevados de reinjeção, por exemplo;

⦁             A Abiquim é uma das poucas entidades a participar do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o que tem contribuído para endereçar essas agendas;

⦁             No sentido de garantir as melhores práticas de uma política comercial externa equilibrada, a Abiquim propôs ao governo a inserção de 63 produtos químicos na Lista de Elevações Transitórias da Tarifa Externa Comum do Mercosul. Na prática, deve haver uma elevação de impostos de entrada no Brasil para estes itens. Este pedido está em análise na Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Em recente encontro com o presidente Lula, A Abiquim recebeu com esperança o sinal verde dado ao setor, um respiro no sentido da aprovação da lista;

⦁             Ainda no sentido de contornar a situação crítica do setor, especialmente no que tange ao gás natural, em abril de 2024, a Abiquim, em parceria inédita e histórica, assinou um Memorando de Entendimento com a Petrobras para avançar na possibilidade de compra de gás no mercado livre e também em buscar alternativas para elevar a oferta de gás natural . Esse protocolo inédito e histórico na trajetória da indústria química brasileira tem por objeto desenvolver oportunidades para a Petrobras e para os associados da Abiquim com o objetivo de identificar, por meio de reuniões e fóruns, novos potenciais de contratos de compra e venda de gás natural e/ou energia;

⦁             Já no final de junho, a Abiquim se reuniu com Magda Chambriard, presidente da Petrobras, que por sua vez, sinalizou a importância de as equipes da Abiquim e Petrobras seguirem avançando na formatação contratual do termo de cooperação entre as partes e de que nas discussões seja incluída as necessidades de suprimento do gás natural como matéria prima para a indústria química;

⦁             Em julho, vale destacar a participação da Abiquim na comitiva brasileira, liderado pelo Ministério de Minas e Energia, em negociação na Bolívia sobre a possibilidade da nova oferta de gás natural do país vizinho e ainda a utilização de gás da Argentina por meio do Gasbol.

Bahia Econômica – Essa situação tem afetado as empresas do polo de Camaçari?

Fátima Ferreira – Sim, de forma expressiva, como comentado na resposta ao item, com paralisações de unidades produtivas e operações a baixa carga.

Bahia Econômica –  Como estão as exportações do produto? 

Fátima Ferreira – As exportações da indústria química brasileira têm recuado, infelizmente. Nos primeiros seis meses de 2024, em relação a igual período do ano passado, as vendas para o mercado externo recuaram expressivos 27,5%, o que demonstra que além de encontrar dificuldades para competir no mercado local, a indústria química brasileira está com fortes problemas de competição no mercado externo

Bahia Econômica –  Qual a expectativa para o setor em 2024?

Fátima Ferreira – A Abiquim vem demostrando ao governo como essa situação está insustentável. Este, por sua vez, está para editar o que talvez possa ser considerado um dos mais importantes projetos estruturantes para o Brasil, o Programa Gás para Empregar. O País precisa contemplar nesse projeto medidas que destravem investimentos em infraestrutura de escoamento e tratamento de gás, aumentem a oferta de gás para o mercado, mas  sobretudo que ajudem a indústria a enfrentar essas diferenças gritantes em relação aos comparativos internacionais de preços de gás.

É importante salientar que existe gás suficiente e disponível no Brasil para atender o “Programa Gás Para Empregar” e, em especial, a demanda da indústria química e de fertilizantes. Os desequilíbrios entre capacidade e índices de operação são elevados, e as principais razões podem ser apontadas com os gargalos atuais, abaixo relacionados:

. Infraestrutura insuficiente para tratamento do Gás nos FPSOs;

. Falta de capacidade dos dutos de Escoamento, para a transferência do etano, propano, butano e C5+ para as refinarias e polos petroquímicos (a deficiência no escoamento impede o processamento de Gás, pois não tem como fazer a estocagem);

. O desequilíbrio entre a oferta e a demanda, principalmente em Indústrias que operam em regime de contratos de longo prazo, como a indústria de fertilizantes e a petroquímica;

. Para Industria Química é necessário oferecer um Gás Firme, com Especificação Técnica Constante, Contratos de Longo Prazo e Preços de Insumos (para Matéria Prima) desvinculados do uso energético;

. Através do “Programa Gás para Empregar” com ações concretas é que se poderá superar os atuais gargalos e criar as condições para atrair novos Investimentos.

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