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O RECÔNCAVO E A INDEPENDÊNCIA – ARMANDO AVENA

Redação - 30/06/2023 08:25 - Atualizado 30/06/2023

“Clara gosta da festa, mas ama a véspera quando o cortejo do Cabloco saí do bairro do Caquende para, acompanhado das filarmônicas e do povo da cidade, se encontrar com a Cabloca,  que vem do outro lado da ponte. A ela parece não importar que  a festa represente a independência de Cachoeira do jugo português e que num longínquo 25 de junho, meses antes do Grito do Ipiranga,  a Câmara de Vereadores da heróica cidade tenha proclamado D. Pedro regente do Brasil.

Tampouco se lhe dá que o Caboclo simbolize o heroísmo do brasileiro nativo, o que lhe interessa é  o encontro dos dois amantes, a noite de amor que passarão juntos na Ponta da Calçada, o caramanchão iluminado que os abriga, os poetas que, em torno dele, declamam seus versos e os músicos que, à sua volta, tocam canções de amor.  Na praça Manoel Vitorino se pode ouvir os metais da Lira Ceciliana, sob a regência do maestro Piston de Veludo,  entoar os primeiros acordes do Hino de Cachoeira, enquanto a Minerva Cachoeirana aguarda a sua  vez de homenagear os heróis do Recôncavo. Ela diz que a festa é bonita, mas o resto são fanfarrices de homens.

– Mas foi aqui,  Clara,  muito antes do 7 de Setembro, que se deu início a independência. E depois, enquanto no Rio eles discutiam termos e tratados, na Bahia havia luta de morte entre brasileiros e portugueses. Foi no Recôncavo  que o Brasil ficou independente.”

 “Contrito, ele assiste ao Te-deum na Igreja Matriz e reza pelos seus antepassados que enfrentaram os mata-marotos e abordaram a canhoneira.  A música sagrada eleva seus pensamentos  e ele se vê postado em frente a Casa de Câmara e Cadeia compondo o  batalhão patriótico que, junto ao povo exaltado, aclama com uma salva de tiros a regência recém-proclamada de D.Pedro.  E  assusta-se com os disparos de artilharia vindos da escuna lusa ancorada no Paraguaçu e que deixam  o povo indignado.  Agora ele se vê correndo em direção ao cais a gritar contra Madeira de Melo e a incitar os companheiros a matar tudo quanto é “maroto”.  As balas de canhão atingem  os sobrados da Rua da Matriz e do cais dos Arcos, e o comandante da embarcação ameaça destruir Cachoeira, caso não cessem as escaramuças, como se um cachoeirano fosse obedecer ordens de um português. E então ele segue rio adentro nas pequenas canoas. Por todos os lados elas se dirigem ao barco invasor, abordado no meio da noite  pelo intrépido batalhão que, quase sem armas, aprisiona o comandante e seus marujos. Deus, como ele gostaria de ter vivido um século atrás para, muito antes da encenação de liberdade realizada à beira de um riacho qualquer, gritar nos ouvidos dos portugueses:  independência ou morte.”

 É  com essa passagem do meu livro Recôncavo que saúdo o bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, a verdadeira independência.

Publicado no jornal A Tarde em 30/06/2023

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