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O QATAR  E AS MIL E UMA NOITES – ARMANDO AVENA

Redação - 09/12/2022 08:52 - Atualizado 09/12/2022

 A Copa do Mundo ocorre na Arábia, terra exótica, com areia por todo lado e costumes estranhos. Doha, a capital do Qatar, parece ser, juntamente com Dubai, a mais moderna das cidades árabes, mas, ainda assim, não me encanta.

Encantamento demanda mais do que prédios altos e dinheiro correndo à rodo, só entre os ricos, por suposto. Além disso, não sou muito chegado à corrida de camelo, não me apetece carne folheada a ouro e muito menos ser impedido de beber  um vinho para comemorar a vitória da seleção brasileira. Mas o que mais me irrita nos países árabes é a tentativa de subjugar as mulheres  que permanecem sujeitas ao sistema de tutela masculina e, assim, tem de pedir autorização a algum homem, na maioria das vezes  mais ignorante do que elas, quando querem viajar, trabalhar, casar e tudo mais.  E tem coisa mais absurda do que obrigar as mulheres a usar a burca, aquela vestimenta negra horrível que deixa apenas os olhos à mostra. Mal sabem eles que a maior das liberdades é a liberdade do olhar e que é impossível subjugar o desejo de uma mulher.

A sabedoria do Oriente mostra isso na literatura e são muitos os contos árabes que mostram ser impossível controlar a vontade e o desejo de uma mulher. ” As Mil e uma noites”, por exemplo, começa com a história do  sultão Shahriyar, que governava um império que ia até as Índias e mais além do Rio Ganges, até a China. O todo poderoso Shahriyar achava que seu poder jamais seria desafiado até, ao voltar de uma viagem,  surpreender sua mulher nos braços de um escravo negro. Então, dotado da imbecilidade masculina que vê a mulher como uma propriedade, mandou matar ambos e decretou que todas as tardes se casaria com uma virgem e, após  passar a noite com ela, no dia seguinte, cortaria sua cabeça, para que jamais mulher alguma pudesse traí-lo.  E assim foram desaparecendo as virgens do reino, até que um dia Sherazade, filha do grão-vizir, resolveu se casar com o sultão, disposta a pôr fim àquela carnificina. Então, ao amanhecer da primeira noite, Sherazade fez um pedido ao marido: queria lhe contar uma história, antes de morrer. Estava no meio da história, quando chegou a hora de ser decapitada. Mas Shahriyar, curioso em saber o final, resolveu deixá-la viva mais uma noite para que ela lhe contasse o fim da trama. Na noite seguinte, ela não só terminou a história, como começou outra e parou no meio, quando o dia clareou. O sultão deixou-lhe viver mais um dia e, assim, durante mil e uma noites ela contou uma nova história que jamais terminava antes do amanhecer.  A misoginia do conto árabe não tira a beleza do desfecho: o sultão foi vencido pela força da palavra da mulher. 

Shahriyar deveria ter seguido o conselho do gênio da lâmpada que, ao ser indagado por ele de que forma poderia controlar inteiramente uma mulher, respondeu:  “Nenhuma força, humana ou divina, pode controlar a mulher”.   E concluiu:   “Quando uma mulher decidir se entregar a um homem – não importa se por amor, por desejo ou por ódio – ela o fará e nenhuma força será capaz de contê-la”  .

Publicado no jornal A Tarde em 09/12.2022

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