Um dia um poeta, encantado com a cidade à beira do mar e aos pés do Vesúvio, disse extasiado: “Ver Nápoles e depois morrer”, como se nada de tão belo pudesse mais ser visto. Não sabia o poeta que nas bordas do Atlântico, encravada em uma baía imensa, existia uma cidade mais bela ainda, um dos cinco lugares do mundo continental onde o sol nasce e se põe no mar.
Se soubesse, refaria o poema, ou seguiria o conselho de outro poeta que disse: “se você gosta de sua terra, não venha à Bahia”. Não venha a cidade da Bahia! Porque o incauto forasteiro que aportar em sua Baía de Todos os Santos vai ter de recorrer a todos eles, se não quiser ser seduzido pelo canto dessa sereia. E não adianta, como Ulisses, por venda nos olhos ou tapar os ouvidos, aquele que experimentar o encanto mitológico dessa feiticeira do Atlântico, que provar sua cultura e sua alegria, jamais será o mesmo.
E ao provar desse encanto não desejará morrer e mudará o verso: “Ver Salvador e depois viver” . Ao chegar aqui verá uma cidade repleta de cultura, com música, literatura, patrimônio e história espalhados por toda à parte e com um povo que enaltece a arte e a alegria e desdenha do vil metal. E se chegar no Carnaval espantar-se-á com uma surpreendente Bacanália – a festa na qual os camponeses da Roma pré-cristã comemoravam a colheita homenageando Baco – mas aqui se homenageia apenas a alegria de viver.
E se espantará mais ao perceber que a península ensolarada é uma nova Roma, uma Roma negra, misteriosa e miscigenada, que abriga todos os deuses. Mas verá também que essa cidade linda tem marcado na pele o estigma da pobreza e que seu povo, que reina soberano no carnaval, assim que a festa acaba torna-se novamente súdito do desemprego, da violência e da baixa qualidade de vida. Não há de ser nada, dia virá em que essa cidade encantada, onde tudo termina em festa e a louvação cristã e o culto ao orixá são motivos para o exercício da alegria, se curvará ao seu povo, pois nele está sua maior riqueza.
No aniversário da velha cidade há que louvá-la, pois ela é especial, afinal, só aqui é possível ver a bela mulata quase nua desfilando com a indumentária do Ilê, ouvir Gerônimo, o nosso menestrel, dizer que nessa cidade todo mundo é d’Oxum e acompanhar Quincas Berro D’água pelas ruas do Pelourinho a comemorar com os amigos a própria morte. E se a tristeza aportar, por causa da amada que se foi, a cidade tem seu embaixador, Caetano Veloso, para chorar com você: “E agora, que faço eu da vida sem você?”. Essa é Salvador, a Cidade da Bahia, um lugar único onde é possível louvar Baco em Itapuã, ao nascer o sol, e venerá-lo logo depois ao vê-lo se pôr na mão do poeta, para assim dizer encantado: Ver Salvador e depois, viver.
Publicado no jornal A Tarde em 01/04/2022