Epidemias mostram a humanidade muito de perto que a qualquer momento pode-se, citando Ariano Suassuna, “cumprir a sentença, encontra-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados, pois tudo que é vivo morre.” A peste negra na idade média dizimou um terço da população mundial. Durante a gripe espanhola, no século passado, quase cem milhões de pessoas morreram. E no início do século XXI a pandemia de gripe A (H1N1) segundo a revista médica The Lancet Infectious Diseases em publicação de 2012, matou meio milhão de pessoas no mundo.
Em 2020, a pandemia provocada pelo COVID-19 já se espalhou por mais de 200 países contagiando em torno de dois milhões de pessoas e matando mais de 119.000 mil. Sabe-se que em algumas regiões do mundo o poder do vírus atinge um grau de letalidade de mais de 10% na população contagiada. Há uma relação perversa de assimetria de informação e desconhecimento sobre a origem, o contágio e o tratamento adequado para o combate ao vírus. E nesse mar de incerteza não há esse trade off entre economia e saúde, globalmente todas as economias serão impactadas, assim como as populações infectadas. O cenário é de recessão mundial, segundo o Fundo Monetário internacional, com retração de 3% na atividade econômica global.
O isolamento social tem sido uma estratégia bastante criticada, porém, no caso do Brasil, necessária, por uma simples razão, a redução da velocidade com que o vírus contagia as pessoas simultaneamente. Esse contágio pode gerar casos graves e superlotação nos hospitais e não há leitos suficientes. Só 12% dos municípios brasileiros atendem as recomendações da Organização Mundial da Saúde tendo de três a cinco leitos por dez mil habitantes, segundo dados do IBGE (2018). E dependendo do tempo necessário de lockdown, os efeitos da crise econômica global podem ser sem precedentes? Sim.
Para piorar a situação, a economia brasileira nos últimos dez anos (2009-2019) teve um desempenho muito fraco, com um crescimento médio de apenas 1% no PIB. E com o atual governo não melhorou, cresceu abaixo de 1% em 2019. Um estudo recente do Banco Mundial aponta um decréscimo de 5% no PIB brasileiro em 2020 e lenta recuperação de 1,5% em 2021. Há fatores agravantes, o setor de serviços que é o mais atingido com a política do isolamento respondeu em 2019 por 75,8% do PIB, segundo dados do IBGE (2020). As pequenas e médias empresas ligadas a este setor respondem por 54% dos empregos de carteira assinada no país e, segundo o SEBRAE, com menos de um mês de isolamento, já estão com 89% de redução no faturamento.
Algo pode ser feito? Sim. O estado deve intervir na economia quando o mercado não consegue responder ao expandir gastos para conter a recessão, o que os economistas chamam de política fiscal expansionista. Um dos maiores defensores da política de austeridade fiscal, a Alemanha, em meio à crise do Covid-19 no início de março de 2020 anunciou a liberação de 12 bilhões de euros adicionais para o combate as ações da pandemia, distribuídos entre investimentos públicos e subsídios ao trabalho de curto prazo para que as empesas não precisem demitir. Logo em seguida, a França (45 bilhões de euros) e Espanha (200 bilhões de euros) anunciaram seus pacotes de resgate do fundo europeu em 17 de março e a Alemanha anunciou (550 bilhões de euros) surpreendendo até os mais fortes defensores da ampliação dos gastos públicos.
No Brasil, o governo anunciou uma linha de crédito emergencial para ajudar pequenas e médias empresas a quitar a folha de pagamento, com estimativa de liberação de 40 bilhões de reais. Também houve a aprovação de uma renda mínima de R$ 600,00 a pessoas que não tenham emprego formal e não recebam benefício previdenciário ou assistencial, seguro-desemprego ou outro programa de transferência de renda federal que não seja o Bolsa Família, durante o período da pandemia. Além disso, para o setor agrícola, promoveu a prorrogação das amortizações de financiamentos de custeio e de investimentos, vencidas e não pagas e vincendas até 15 de agosto de 2020, às taxas de juros originais da operação.
Este tipo de política tem impactos negativos? Sim, diversos. Um pacote de estímulo fiscal feito durante uma recessão global obviamente não será autofinanciável. Os gastos que estão sendo feitos agora no Brasil podem levar a um aumento significativo da dívida pública, talvez um crescimento numa magnitude de 20 a 30% do PIB. Ocorrerá inflação? Certamente. Ficaremos todos mais pobres. Há lógica em se manter a preocupação com austeridade fiscal em tempos de pandemia? Talvez. É preciso lembrar que, setores como agricultura e indústria, que empregam menos e promovem menos aglomeração, sofrerão menos com a crise. Além disso, o Brasil possui vantagens comparativas nestes setores. A produção econômica depende intrinsecamente da população econômica ativa, enquanto estamos isolados e vivos garantimos a capacidade produtiva e capacidade de recuperação.