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ARROGÂNCIA: ANATOMIA DE UMA FRAGILIDADE – POR SERGIO FARIA

João Paulo - 19/12/2025 10:05 - Atualizado 19/12/2025

Sérgio Faria, engenheiro e escritor, presidente da ALAS – Academia de Letras e Artes do Salvador e membro da ABROL – Academia Brasileira Rotária de Letras 

Na literatura, o tema da arrogância foi, desde sempre, muito explorado. Os gregos, que tinham para tudo um nome exato, chamaram-na hybris e consideravam a arrogância desmedida e a insolência um grave desvio de caráter, capaz de levar o homem, cego de si mesmo, a ousar erguer-se até mesmo contra o poder dos deuses. Goethe, que possuía uma aguda percepção do espírito humano, estabeleceu um vínculo entre a arrogância e a ignorância, ao afirmar que “muitos são orgulhosos por causa daquilo que sabem; face ao que não sabem, são arrogantes”. Dostoiévski, em Os irmãos Karamázov, ecoa essa ideia sentenciando que “a arrogância diminui a sabedoria” e, na mesma linha, Machado de Assis, o nosso “Bruxo de Cosme Velho”, com sua ironia cirúrgica, dizia ser a arrogância a tentativa de esconder a própria pequenez.

Se, por um lado, a arrogância é duramente punida em personagens como Macbeth, de Shakespeare, e Fausto, de Goethe, por outro, no romance Orgulho e Preconceito Jane Austen constrói uma narrativa em que a arrogância é reconhecida e superada.

Pensemos, pois, em Aquiles – semi-deus, filho de Tétis, deusa marinha, e do mortal Peléu, rei da Ftia. Sua lenda, uma das mais ricas da mitologia grega, foi popularizada através da Ilíada, poema épico, cuja autoria é atribuída a Homero.

A tradição conta que Tétis, logo após dar à luz, teria mergulhado o filho no rio Estige, que desaguava no inferno subterrâneo, acreditando no poder de suas águas para neutralizar as características humanas e imortalizar o bebê. Ao fazê-lo, entretanto, segurou a criança pelo calcanhar direito, parte do corpo que terminou não sendo submergida, tornando-se um ponto vulnerável e, assim, o mais temido e famoso guerreiro da Grécia terminaria vítima de uma flecha atirada por Páris, acertando-lhe justamente o calcanhar direito.

Dessa lenda nasceu a expressão “o calcanhar de Aquiles”: a lembrança de que toda grandeza guarda uma pequena sombra. De que todo homem, por mais elevado, tem seu ponto fraco e a verdadeira inteligência consiste em reconhecer essa fragilidade, não em negá-la.

Há na essência da expressão uma mensagem de humildade, pois nela se identifica a sabedoria de nos admitirmos imperfeitos e pequenos diante da complexidade do mundo.

A mensagem parece cristalina: ninguém deve se julgar infalível. Aquiles, o maior dos guerreiros da Grécia, caiu pela mão de Paris – o príncipe mentecapto que desencadeou toda a discórdia da Guerra de Troia ao raptar a bela Helena.

Na sociedade de hoje, tão apressada em erguer tronos de espuma, a arrogância se tornou uma cegueira coletiva. Os que se acreditam superiores são, em verdade, os mais fracos, pois foram castigados com a marca da arrogância e, desprovidos do sentimento da humildade, se apresentam despreparados para enfrentar a gangorra da vida.

A qualquer hora, de onde menos esperam, receberão, como Aquiles, a flecha mortal.

 

Imagem de Jill Wellington por Pixabay

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