“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra”
Carlos Drummond de Andrade
Luís Fernando Veríssimo, na crônica Estátuas, refere-se a três poetas que foram homenageados com suas estátuas por este mundo à fora: Carlos Drummond de Andrade, sentado num banco na Praia de Copacabana; Fernando Pessoa, sentado em frente ao café “A Brasileira”, em Lisboa, e Mário Quintana, sentado num banco da Praça da Alfândega de Porto Alegre.
Pela similaridade, eu acrescentaria mais uma: Vinícius de Moraes sentado em uma praça na Praia de Itapoã.
A imobilidade compõe a essência das estátuas, o que impossibilita o encontro dos poetas, mas isso não inibe o cronista de imaginar o diálogo absurdo…
A conversa se iniciaria com Mário Quintana, em mais uma de suas frases de efeito, sentenciando: “uma estátua é um equívoco em bronze…”.
Os protestos continuariam… Quintana se queixaria dos passarinhos… Fernando Pessoa reclamaria dos turistas que sempre o confundem com Eça de Queiroz e Drummond ficaria indignado por estar imobilizado, de costas para o mar, sem sequer poder apreciar a beleza das mulheres…
No caso do “Poetinha”, reclamaria por estar obrigado a passar não apenas uma tarde em Itapoã… Teria que passar os dias, as noites, a chuva, o vento, condenado à solidão na praça, logo ele que, em vida, jamais esteve só. Nelson Rodrigues escreveu certa feita: “O Vinícius é o mais coletivo dos seres. Está sempre em bando. Quando o vejo sozinho, tenho vontade de pluralizá-lo, perguntando: como vão vocês?”).
De fato, uma estátua serve para homenagear figuras ilustres, mas, no caso dos poetas, é um grande equívoco. Um equívoco em bronze…
A essência do poeta é sua alma e não o corpo, mas as estátuas representam apenas o corpo, a matéria, e isso é o que há de menos relevante nos poetas, sobretudo para Fernando Pessoa com seus heterônimos…
A estátua é imóvel, fria, dura, uma pedra no caminho do poeta… A representação material da insensibilidade dos que pretendem homenageá-lo…
É a prova inconteste de que seus versos ainda não foram compreendidos na sua plenitude…
Fico pensando na estátua de Castro Alves, na mais tradicional praça do carnaval da Bahia, a mão estendida, como que abençoando o povo livre, a festejar nas ruas o triunfo da alegria sobre a realidade dura e cruel.
Diferente das demais, a estátua de Castro Alves o coloca em posição privilegiada e ali, de camarote, o Poeta dos Escravos, testemunha cenas de um povo simples, alegre, pulando e dançando ao som dos trios elétricos…
Cenas da vida… Cenas de amor, liberdade, sexo e violência…
Ali, do alto de seu pedestal, o poeta completa sua existência tão precocemente interrompida… Enxerga, ouve, dança, pula e grita:
“Vai… Poeta… Rompe os ares
Cruza a serra, o vale, os mares
Deus ao chão não te amarrou!”
Trecho do poema Fábula – o pássaro e a flor,
Castro Alves.