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WALDECK ORNÉLAS –  FICO-FIOL, O ENGATE AVANÇA

Redação - 17/03/2025 05:00

A realização, pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), da audiência pública para concessão conjunta das ferrovias FICO-FIOL, respectivamente, Ferrovia de Integração do Centro-Oeste e Ferrovia de Integração Oeste-Leste, com sessões em Brasília, Salvador e Cuiabá, representa um passo importante para o avanço do mais inovador projeto ferroviário brasileiro: a criação de um novo corredor logístico que, a um só tempo, desconcentra a economia nacional, reconfigura territorialmente a malha ferroviária do país e reduz custos para os produtores de grãos e minérios.

Iniciada com o tradicional modelo mina-ferrovia-porto, a FIOL teve a licitação do seu trecho I – Ilhéus-Caetité, como marco para a implantação de uma ferrovia destinada a ligar a região produtora de grãos do Oeste baiano – gênese do MATOPIBA – com o litoral, visando o Porto Sul, em Ilhéus, também a ser implantado. O trecho II, de Caetité a Barreiras, ainda na Bahia, encontra-se em implantação pela Infra, empresa do Ministério dos Transportes, estando com 65% de execução.

A FICO, outro importante estirão ferroviário de importância nacional, tem o seu trecho I, de Mara Rosa (GO) a Água Boa (MT), em execução pela Vale, como investimento cruzado, em compensação pela renovação antecipada de suas ferrovias de Carajás e Vitória-Minas. O trecho II irá de Água Boa a Lucas do Rio Verde, no coração do Mato Grosso, servindo à área de maior volume de produção de grãos do país.

Ambos são projetos greenfield. São irmãos siameses, mas nasceram separados. Ambos convergem para a Ferrovia Norte-Sul (FNS). A FICO na própria Mara Rosa e a FIOL em Figueirópolis (TO), a partir de Barreiras. As duas estavam condenadas a não se encontrar e as cargas destinadas a passear pela FNS, com destino a Santos, no Sul, ou Itaqui, no Norte, onerando os produtores.

Estudos técnicos recentes, realizados pela Infra, com apoio do Ministério dos Transportes e da secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, concluíram pelo que o bom senso já indicava: a integração das duas ferrovias muda a geografia econômica do país e começa a tornar realidade o sonho do engenheiro baiano Vasco Neto, dando origem à Ferrovia Transulamericana, que pode chegar, mais tarde, ao porto de Chancay, na costa do Pacífico, interligando os dois oceanos.

Configura-se um corredor ferroviário estruturante, que atravessará o país de leste a oeste, criando uma nova rota, mais eficiente e sustentável, para o transporte de produtos do interior à costa – partindo do Porto Sul, em Ilhéus, e chegando a Lucas do Rio Verde. Com extensão total de aproximadamente 2.700 km, atravessa três estados – Bahia, Goiás e Mato Grosso – conectando-se à malha ferroviária existente, na FNS e na Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).

É natural que, diante de uma mudança tão radical e profunda no cenário nacional, os lobbies contrários estejam atentos e atuantes, tentando desqualificar a iniciativa, buscando preservar o status quo. Nesta hora, valem quaisquer argumentos, desde que o projeto não se torne realidade.

O fato de que a concessão da FIOL I e do Porto Sul, a cargo da Bamin, uma empresa mineradora de ferro, não tenha avançado, embora a ferrovia já tenha sido arrematada com 80% de suas obras finalizadas, decididamente não constitui argumento válido. Há soluções de mercado para isto.

De um lado, o próprio governo federal estaria estruturando uma operação de transferência do controle acionário da Bamin para outras empresas privadas, com a participação do BNDESPar. Mais recentemente, a Brasil Iron, que detém uma outra mina de ferro nas proximidades, em Piatã, teria manifestado interesse pela aquisição de todo o complexo. Com  autorização para implantar uma short line que a integrará com a FIOL, reuniria, só aí, um volume de produção que absorve toda a capacidade inicial do Porto Sul, de 40 milhões de t/ano dedicadas à exportação de minério de ferro, com a vantagem adicional de envolver a implantação de uma usina siderúrgica descarbonizada. Não há, assim, falta de carga para esse trecho inicial.

Quanto aos grãos, o novo traçado da FIOL III, de Correntina a Mara Rosa, abrirá espaço para a expansão da produção do Oeste baiano, além de, ao trazer os grãos do Mato Grosso, absorver toda a capacidade inicial de 20 milhões de t/ano do Porto Sul, o que vai demandar, isto sim, a interligação dessa ferrovia com os portos da Baía de Todos os Santos, também no litoral  baiano.

Não há, pois, riscos de descarrilamento do projeto. Ao contrário, o que se vê é ser rompido o isolamento ferroviário a que tem estado condenada a Bahia, paralelamente à criação de uma nova alternativa para o escoamento dos grãos do Centro-Oeste brasileiro.

No momento em que parece se configurar uma nova ordem mundial, o Brasil não pode abrir mão deste novo corredor logístico.  A concessão conjunta da FICO-FIOL constituirá um marco estratégico para o desenvolvimento nacional.

 

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

 

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