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WALDECK ORNÉLAS – RESPEITEM O PISO PREVIDENCIÁRIO!

Redação - 23/12/2024 05:00

Volta e meia, a desvinculação constitucional do piso previdenciário em relação ao salário-mínimo retorna à pauta de especulações sobre ajuste fiscal, como se fosse essa a causa do desequilíbrio das contas públicas em que vive permanentemente mergulhado o país.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS), administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como o próprio nome diz, é o regime básico do seguro social. Tem um piso e um teto de benefícios. O teto, hoje é de R$7.786,02. Quem ganha acima deste valor só contribui até o teto. Daí a existência da previdência complementar, para permitir aposentadorias mais gordas aos que ganham mais. Já o piso previdenciário assegura o salário-mínimo aos trabalhadores em geral. Constitui a garantia basilar da estabilidade social do país.

Preliminarmente, anote-se que a Previdência Social é um sistema contributivo, ou seja, em que os trabalhadores aportam recursos, ao longo de toda a sua vida laboral, para receber de volta, mensalmente, a partir de sua aposentadoria. É uma poupança compulsória, imposta àqueles que sequer têm condição de poupar. Não pode ser confundida, portanto, com política assistencial, quando o Estado distribui recursos próprios para que os mais pobres possam sobreviver.

A Previdência Social não é política de transferência voluntária do Tesouro da União. O Tesouro apenas completa os valores necessários, fruto do desequilíbrio do sistema. Quem paga as aposentadorias é o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, criado, por sugestão minha, na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quando ministro da Previdência e Assistência Social, no governo FHC, concluí a primeira reforma da Previdência, que àquela época representou, basicamente, um saneamento de critérios insustentáveis que beneficiavam diversas categorias, para torná-la mais homogênea em relação aos segurados.

Atento às regras de equidade, isto não impediu que, por exemplo, expandíssemos o benefício do salário-maternidade a todas as mulheres seguradas, inclusive às autônomas e às trabalhadoras rurais, o que era restrito apenas às trabalhadoras com carteira assinada. Por outro lado, enfrentei pressões que queriam reduzir o teto do INSS a algo como dois salários-mínimos, o que prejudicaria os trabalhadores melhor remunerados.

Modernizando o sistema, instituímos o fator previdenciário – um mecanismo para estimular o trabalhador que, atendidos os requisitos, quisesse continuar na ativa, para inibir as aposentadorias precoces. Infelizmente, o fator foi estigmatizado como “redutor”, mas sustentou por duas décadas o sistema, ainda que deficitário.

Medidas populistas, adotadas desde então, ampliaram o déficit do RGPS. Criam facilidades individuais, para depois querer cortar coletivamente. Ora a tese vem do governo, ora do próprio Congresso. Independente da iniciativa, ilegítima e antissocial!

Desvinculado o piso previdenciário, os aposentados que recebem benefício pelo valor do salário-mínimo – que constitui a imensa maioria dos aposentados pelo INSS – em poucos anos, estariam percebendo menos que o valor do bolsa-família, agravando a crise social do país.

E não se utilize o argumento – fraudulento – de que é preciso desvincular da Previdência para permitir que o salário-mínimo possa crescer mais. O trabalhador de hoje é o aposentado de amanhã. E isto significaria apenas dar com uma mão para tirar com a outra, e justamente no momento em que, vulnerável física ou psiquicamente, a pessoa mais precisa. Os trabalhadores não podem cair neste engodo.

Não é no Regime Geral de Previdência Social que se tem de fazer reduzir benefícios.

É evidente que o regime geral carece de aperfeiçoamentos. À época, tínhamos como espelho o sistema sueco e caminhávamos no sentido de instituir a conta individual de cada trabalhador, para que ele pudesse acompanhar – como ocorre na previdência completar – as suas contribuições e o seu estoque de poupança, e portanto, saber com quanto o Estado estaria contribuindo para a sua aposentadoria.

A eficiência da máquina administrativa do INSS, outra frente de trabalho da minha gestão, com o Programa da Melhoria do Atendimento (PMA), perdeu, ao longo do tempo, o rumo e o ritmo, resultando no incomensurável acúmulo de processos pendentes de apreciação, em sentido inverso ao avanço dos recursos das tecnologia de informação e comunicação, que incluem hoje os algoritmos e a inteligência artificial.

Muito espaço há para ser melhorado em relação ao regime próprio dos servidores públicos – organizado na minha gestão – o que hoje permite identificar o tamanho do rombo aí existente.

Embora aprovada em 2003 a reforma do sistema previdenciário dos servidores públicos, a desídia fez com que uma década se passasse até que viessem a ser instituídos os fundos previdenciários, aliás fracionados por Poderes, denotando a capacidade de resistência, o poder de pressão e a cumplicidade com que se perpetuam os privilégios neste nosso país. Não é por acaso que sobre os penduricalhos que fazem as remunerações ultrapassarem o teto do funcionalismo não incidem contribuições previdenciárias…

Busquem outras rubricas para ajustar o gasto público. Respeitem o piso previdenciário!

 

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

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