Hoje é 15 de novembro, data em que se comemora a Proclamação da República, e seria de bom alvitre tecer loas ao evento ou ao menos proceder a alguma consideração histórica. Todavia, embora compartilhando os ideais republicanos, aviso ao meu querido leitor que não tenho essa intenção.
Pelo contrário, em relação ao fato, o que move minha curiosidade são digressões enviesadas, como especular as razões que levaram Adriano Augusto do Valle, de apenas 20 anos, a atentar contra a vida do imperador D. Pedro II quando ele deixava o Teatro Sant’Anna, no Rio de Janeiro, após assistir a um concerto da violinista Giulietta Dionesi. Gritando palavras de ordem a favor da República, Adriano Augusto atirou contra a carruagem do imperador, embora não tivesse ligações políticas ou manifestado apoio à causa.
Errou o tiro e resolveu se embriagar e contar aos companheiros de bebedeira sua façanha. Que estranhas razões motivaram os neurônios desse jovem a encandear sinapses que se concentraram na vontade de matar o imperador, quatro meses antes da Proclamação da República? Talvez, não fosse seu desejo matar o velho imperador, mas apenas tentar fazê-lo e, com isso, entrar para a história, obrigando-me a estar aqui especulando os seus motivos? Mas custa a crer que um espírito tão imaturo tivesse tamanho interesse em ingressar na posteridade, e pode ter sido apenas um arroubo juvenil, afinal, como diria Goethe, “a juventude é a embriaguez sem vinho”.
Enviesadas também, embora cristalinas, foram as razões que levaram os latifundiários brasileiros, tradicionalmente reacionários e apoiadores ferozes da monarquia, a apoiar o movimento republicano. Cristalinas, pois o rompimento com a monarquia foi motivado pelo fim da escravidão, já que os fazendeiros insatisfeitos exigiam do imperador uma compensação ou indenização. Enviesadas, porque passado mais de um ano do fim da escravidão – tão tardia que fez o Brasil ser o último país da América do Sul acabar com o opróbio –, seria impossível retroceder, e os republicanos jamais aceitariam qualquer retrocesso ou indenização, deixando pairar no ar o verdadeiro motivo que levaram esses “republicanos de última hora” a apoiar o fim da monarquia: “a vingança é um prato que se come frio”.
A frase atribuída ao escritor Eugène Sue poderia explicar a inexplicável modernidade do atraso ou, talvez, mais propriamente, o explicaria o vaticínio de Cesare Pavese: “Não existe vingança melhor do que aquela que os outros infligem ao teu inimigo. Tem até o mérito de deixar-te a parte do generoso”.
“E sobre os líderes do movimento, nenhuma palavra”, indaga minha consciência. Nada, a não que foram enviesadas também as razões que levaram o Marechal Deodoro da Fonseca (perna fina, bunda seca), um monarquista empedernido e amigo de D. Pedro II a aderir a República. Que seja! Mas, viva a República.
Publicado no jornal A Tarde em 15/11/2024