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SAMUELITA – O “VELHO NORMAL” DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA PÓS-PANDEMIA

Redação - 27/07/2020 07:38

Falamos tanto em modernidades tecnológicas e revolução digital inclusiva que a ideia de que já vivemos num mundo 100 por cento global se cristalizou confortavelmente em nossas mentes apressadas. Então veio a pandemia imposta pelo novo coronavírus e escancarou uma mazela – entre tantas outras – há muito instalada diante dos nossos olhos. Olhos generalizados que já não se dão ao trabalho de enxergar com precisão, nesses tempos modernos de visão furtiva e superficial. A Unicef divulgou recentemente que 4,8 milhões de crianças e adolescentes, na faixa dos 9 aos 17 anos, não têm acesso à internet em casa. Eles representam 17% dos brasileiros dessa faixa etária.

Alguns desses jovens, segundo a pesquisa, conseguem acessar a rede através de escolas, telecentros e outros espaços. No entanto, 11% dessa população, nessa faixa de idade, não acessa a internet de forma alguma. A exclusão é ainda maior para os que vivem em áreas rurais, onde o índice dos que não acessam a rede chega a 25%. Nas regiões Norte e Nordeste o percentual é de 21% e de 20% nas residências das classes D e E. O levantamento solicitado pela Unicef ao Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação – CETIC-Br,  teve o propósito de medir quantas crianças e adolescentes estão sem acesso a aulas online e a outros conteúdos que dariam continuidade ao seu aprendizado durante a pandemia.

À essas constatações de um país que tem muito estrada a percorrer antes de afirmar que está pronto para migrar para o ensino à distância. ou até mesmo para o sistema híbrido, somam-se outros dados que apontam o descompasso da inclusão digital no Brasil. Pesquisa realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostra que 58% das casas brasileiras não têm acesso a computadores e 33% não dispõem de internet. E, mais uma vez, é nas zonas rurais que o fosso aumenta. Nessas regiões, 43% das escolas não têm infraestrutura para o sinal chegar. E mais: no âmbito geral, mesmos os que estão conectados, fazem o acesso pelo celular e não por computadores, equipamentos reconhecidamente mais adequados para as atividades escolares.

As dificuldades vão ainda mais longe quando se verifica que a qualidade dos serviços de internet está longe de ser linear e atender satisfatoriamente a todos os usuários. Apesar de os pequenos provedores serem os principais responsáveis pela inclusão digital, por estarem capilarizados país afora,  principalmente nos municípios de menor porte e periferias dos grandes centros urbanos onde as grandes empresas de telecomunicações não têm o menor interesse em atender, nem todas as pequenas empresas provedoras possuem infraestrutura adequada para manter uma conectividade de excelência, sobretudo com o aumento do tráfego e com a mudança do padrão de consumo da internet causada pela quarentena.

Nos bairros mais afastados e nas regiões do Brasil mais distantes dos grandes centros, há menor oferta de planos, menor concorrência entre provedores e, não raro, ausência de estruturas modernas, como a de fibra ótica, implicando em conexões instáveis e de baixas velocidades. Ponto. E o que isso significa em meio a uma pandemia que tirou da sala de aula cerca de 53 milhões de alunos das redes de ensino pública e privada em todo o país? Nada menos que um fosso gigantesco, ampliando ainda mais a desigualdade e a distância entre o desempenho dos alunos das redes públicas e particulares.

Visão de velho mundo

O bordão “novo normal” que vem ganhando milhões de prognósticos, cores bonitinhas e teses mirabolantes nos ambientes virtuais e debates televisivos, pode não ser tão “novo” assim e resultar em meros cenários quiméricos. O setor educacional é bem capaz de ser um dos que passem ao largo das transformações efetivas que vão desenhar o chamado “novo normal”, apesar dos desafios que vêm obrigando o sistema a reinventar-se de forma emergencial, para evitar estragos ainda mais profundos aos milhões de alunos sem aula. Embora esteja claro que esse momento de respostas rápidas seja, sem dúvida, o melhor momento para refletir, reavaliar e provocar as mudanças capazes de reduzir a ineficiência do ensino público brasileiro.

Os especialistas em educação estão aí alertando todos os dias dessa pandemia: ensino remoto não é Ensino à Distância. O EAD, como ressaltam, não se resume simplesmente em fazer uma aula por skype com a turma. É preciso tecnologia e metodologias de ensino de ponta para transformar uma aula presencial num ambiente virtual de aprendizagem. Os países que melhor enfrentaram e adaptaram seus sistemas para esse período de crise, foram justamente os que já faziam uso das tecnologias na educação, a exemplo de Cingapura, Japão, Coréia do Sul, China, Finlândia e até Estônia, ex-república da União Soviética, país jovem com cerca de 1,32 milhão de habitantes e alunos com alta performance nas avaliações internacionais. São países que têm o olhar apontado para o futuro. Além de investirem pesado na educação, também praticam o uso eficiente desses recursos, priorizando estrutura, modernização, valorização e qualificação dos docentes.

A realidade do Brasil é bem outra. No percorrer dos sucessivos governos, independente do viés ideológico que assumiram as esferas governamentais do executivo, o que se viu por aqui vai além da falta de prioridade para a área educacional e desemboca em investimentos ineficientes, desvios de recursos, falta de valorização e de capacitação continuada dos profissionais de ensino. Além do medíocre desempenho dos alunos brasileiros nas avaliações mundiais, a exemplo do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – Pisa, que em 2019 apontou o Brasil entre os 20 piores colocados no ranking global – o atual quadro pintado pela pandemia desenha na tela imensos recortes de escolas sem aparatos tecnológicos, professores pouco capacitados e sem habilidades pedagógicas para o uso das novas tecnologias, secretarias estaduais (a maioria delas) sem plataforma nem metodologia convencionada para aulas remotas e milhões de estudantes sem acesso à internet.

Mas o olhar teimoso dos gestores brasileiros, sejam federais, estaduais ou municipais – com honrosas e raras exceções – continua voltado para o passado, insistindo em modelos pouco inovadores, mecanizados, antigos e sem eficácia  O Brasil, categoricamente, carece de gestões comprometidas, de fato, com a educação, com padrão de pensamento moderno, global e visão de investimento inteligente. A educação deve e tem que ser encarada como um setor gerador de riquezas e essencial ao desenvolvimento. E se essas mentes visionárias não despontarem para enxergar o futuro, exatamente agora quando a pandemia desperta mudanças e arranca o véu de uma realidade cruel e desigual, o Brasil pode desistir de avançar na mesma velocidade que as nações que privilegiam o intelecto dos seus cidadãos, transformando-se em tempo hábil num país de pensamento perficiente, que cresce com sustentabilidade, se qualifica e busca ser feliz.

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