Não é novidade que plataformas de locação por temporada, como o Airbnb, têm levado conflitos entre condomínios e condôminos parar na Justiça. Mas agora uma nova decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) está deixando em alerta profissionais do mercado imobiliário e proprietários que enxergam essas ferramentas digitais como negócios. A Quarta Turma da Corte determinou que, em empreendimentos residenciais, a convenção condominial pode ser alterada, proibindo a locação por temporada via aplicativos, caso dois terços dos moradores concordem.
Essa não é uma decisão tão recente assim, a diferença é que, no último dia 11 de novembro, o processo transitou em julgado, isso significa que não cabe mais recurso. Especialista em direito imobiliário e sócia no escritório Nunes e Lisboa Advocacia, a advogada Taylane Nunes não tem dúvidas que a decisão vai causar polêmica, principalmente por acontecer “na porta do verão, período em que a demanda por esse tipo de locação tem maior destaque”. Mas ela pontua que, apesar da polêmica e de deixar condomínios e proprietários inquietos, o processo em questão é sobre um caso específico.
“A decisão não necessariamente vai servir para outros casos. Ela não tem o poder vinculante, de ser vinculada a outras decisões. Mas obviamente vai abrir precedentes. Não é que o aluguel via plataformas foi proibido em todos os condomínios, vi em muitos lugares saindo como se fosse isso. É sobre um caso específico em que a pessoa fracionava o imóvel, alugava para mais de uma pessoa ou grupo”, explica a advogada.
Segundo informações do Jornal A Tarde, o Airbnb se posicionou sobre a decisão, confirmando a explicação da advogada: a decisão do STJ trata de um caso específico e não determina a proibição da locação via a plataforma em condomínios. “O aluguel por temporada no Brasil é legal, expressamente previsto na Lei do Inquilinato. Proibir ou restringir a locação por temporada viola o direito constitucional de propriedade de quem aluga o seu imóvel […]. O Airbnb está comprometido a apoiar o crescimento econômico no Brasil, ajudando proprietários de imóveis a obterem renda extra ao se tornarem anfitriões na plataforma”, afirma a empresa por meio de nota.
O que mudou no entendimento do colegiado responsável por essa decisão é que esse tipo de locação via aplicativos – como Airbnb, Booking e Decolar – passou a ser considerado um contrato atípico de hospedagem. Isso significa que, para a Corte, a modalidade não é nem locação por temporada – legislada pela Lei do Inquilinato – nem hospedagem – setor com uma regulamentação específica para hotéis, pousadas, hotéis e hostels.
“Quer dizer que, no entendimento deles, o Airbnb e outras plataformas não têm legislação. Essa possibilidade de fracionamento do imóvel para mais de um grupo de hóspedes e a possibilidade de uma temporada muito curta, de dois dias, por exemplo, foram os fatores que, na decisão, diferenciam essas plataformas do aluguel por temporada”, esclarece.
Quem é contra o Airbnb costuma alegar problemas com a segurança causados pela entrada de pessoas estranhas no condomínio, já quem é a favor aponta o direito de usar um bem próprio como bem entender, desde que não seja algo ilícito. Também advogada especialista em direito imobiliário, Bruna Ferreira Barbosa defende que, por se tratar de um condomínio, o direito absoluto à propriedade, sem qualquer restrição, deve ser ponderado.
“A própria convenção, condominial e regimento interno, traz, por si só, restrições ao direito de propriedade, porque é preciso compatibilizar, no caso dessa convivência coletiva, o direito de propriedade de um lado e o direito da coletividade, principalmente no que tange a saúde, sossego e segurança, que são princípios basilares do direito condominial, porque se fala também em direito de vizinhança”, afirma.
É por isso que, segundo Bruna, o entendimento jurídico já se mostra, há algum tempo, no sentido de permitir ao condomínio proibir ou não a locação por curta-temporada. Taylane concorda com a possibilidade de levar o assunto para a assembleia e fazer com que os moradores decidam pela proibição ou não do aluguel por temporada via aplicativos. Mas a advogada também avalia que essa restrição acaba tirando do condomínio a responsabilidade de melhorar e ter mais atenção com a segurança dos condôminos, além de possibilitar uma interferência “muito grande” no direito de propriedade.
A advogada conta que em Salvador os conflitos entre condomínio e proprietário envolvendo este assunto geralmente são resolvidos de forma extrajudicial. Mas ela acredita que com a repercussão dessa decisão entre síndicos e administradoras, o número de processos deve aumentar. Axel Hegouet é sócio da imobiliária Beehost (@beehostbrasil), que trabalha apenas com locação por temporada e utiliza não só o Airbnb, mas também Decolar e Booking. São 66 imóveis distribuídos entre Salvador e o Litoral Norte do Bahia, onde a empresa é responsável também por serviços como lavanderia, limpeza e atendimento ao hóspede.
Axel conta que um dos condomínios onde ele tem um imóvel anunciado já tentou barrar a locação por temporada, mas depois acabou cedendo. Ele acredita, inclusive, que o crescimento dessas plataformas e desse mercado acabou fazendo com que os síndicos e administradores aprendessem a ter um controle maior sobre quem entra e quem sai. E justamente por conta do aquecimento e da força deste tipo de locação, ele acredita que os condomínios encontrarão dificuldades para chegar a dois terços dos moradores que se posicionem pela proibição deste tipo de aluguel.
“Essa decisão, claro, levanta especulação, um burburinho entre os condomínios, mas não mudou nenhuma legislação, na prática não muda nada. Não deve influenciar na demanda. E o nosso interesse é justamente que as coisas avancem. A preocupação deles [condomínios] é justa e o nosso papel é assegurar que tudo ocorra bem. Não queremos comprar uma briga, estamos junto aos síndicos, entregamos documentação, temos fácil contato”, afirma.
Foto: Denisse Salazar /AG. A TARDE