sexta, 14 de novembro de 2025
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A LEVEZA E O PESO – ARMANDO AVENA

Redação - 14/11/2025 08:17

O escritor italiano Italo Calvino colocou a “Leveza” entre suas “Seis Propostas para o Próximo Milênio”, uma série de conferências que ele iria proferir na Universidade de Harvard, publicada em livro póstumo. Além da “Leveza”, ele escreveu sobre “Rapidez”, “Exatidão”, “Visibilidade” e “Multiplicidade”. Mas Calvino não proferiu as conferências, nem escreveu a última delas, “Consistência”, pois morreu subitamente um pouco antes, aos 61 anos.

Nunca os homens, e o mundo, necessitaram tanto de leveza quanto agora. Há em toda parte um peso insuportável regendo as relações entre as pessoas, entre os países, entre os amigos e até entre os inimigos. Na primeira conferência, Calvino faz de Perseu, personagem da mitologia grega, o herói da leveza. Perseu recebe a missão de matar Medusa, uma das três Górgonas, que tinha cabelos de serpente e transformava em pedra quem a encarasse. Para isso, Hermes lhe dá sandálias aladas e com elas ele enfrenta a Medusa, pairando nas nuvens e no vento, e só olhando para ela através do seu escudo espelhado. Assim, aproxima-se e corta-lhe a cabeça. Mas do sangue que jorra do seu pescoço nasce Pégaso, o cavalo alado, símbolo do espírito livre e poético, e Calvino conclui que “o peso da pedra pode reverter em seu contrário”.

Há muito a discutir no mito da Medusa que, na psicanálise, pode ter muitos significados, como o medo do poder feminino e da potência do seu olhar, mas o que move Calvino é a “Leveza” que pode surgir até da pedra e transformar-se num cavalo que voa.

E assim é: a leveza pode, de repente, surgir do inesperado e até do confronto. É um estado de ser eminentemente humano, embora cada vez mais escasso no mundo em que vivemos. E até no Brasil, país no qual o bom humor resulta inevitavelmente em leveza, o peso passou a predominar. Mesmo neste país, abençoado por Deus e bonito por natureza, o peso tornou-se rei na desavença política, na dissensão religiosa e na discussão futebolística.

Sentir falta de leveza nas relações humanas não é esperar um mundo idílico em que todos se amam e vivem rindo; afinal, rir é bom, mas rir demais é desespero, diz o provérbio. Quando se trata de discutir aquilo em que se crê, é necessário fazê-lo com o peso da razão, da crença ou da emoção. Mas esse peso não pode impedir as pessoas de voar.

A leveza tampouco pode ser demais, pois, senão, as relações humanas tornam-se folha em branco, escrita de acordo com as circunstâncias. Como diz o poeta Paul Valéry: “É preciso ser leve como o pássaro e não como a pluma”.

É tempo, antes que seja tarde, de colocar mais leveza e menos peso nas relações humanas, mesmo quando o assunto for política, religião, futebol ou sexo; afinal, e buscando inspiração em Nietzsche, o peso representa o dogma, a eternidade, a verdade imóvel. Enquanto a leveza é um cavalo alado: é vida, movimento, criação, dança.

 

Publicado no jornal A Tarde em 14/11/2025

 

 

 

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