É dura a vida do cronista, cuja sina é pôr no papel quinzenalmente dois mil e setecentos e poucos caracteres que agradem o leitor. Há dias em que a prosa sai fácil, escorreita, e até parece que é verdade aquela história de dom. Mas em outros, o único consolo é ler “O exercício da crônica”, o maravilhoso texto de Vinicius de Moraes.
“Dias há em que, positivamente, a crônica “não baixa”. O cronista levanta-se, senta-se, lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um amigo, põe um disco na vitrola, relê crônicas passadas em busca de inspiração — e nada”, diz o nosso Poetinha.
Agora mesmo, é tarde da noite, e o cronista está empacado em frente à tela branca do computador. Olha para um lado e para outro, vai à janela, folheia um livro, vê uma notícia na imprensa – e nada! Distrai-se, lembrando que amanhã, será outro feriado, ainda que enforcado. E, por isso mesmo, quase entra em desespero, afinal, ele não quer ter nada o que fazer a não ser empurrar o dia com o dedo. Sim, mas é preciso escrever a crônica, antes que o amanhã amanheça.
A essa altura, o leitor já percebeu que essa é mais uma crônica sobre a falta de assunto, mas não pare a leitura, não esqueça de que a beleza desse gênero literário está exatamente em transformar o nada em alguma coisa interessante. Rubem Braga, por exemplo, talvez o maior cronista brasileiro, escreveu centenas de páginas sobre o nada, e o nada podia ser um passarinho na janela, o tédio ou a vontade de dedicar-se ao ócio. “Hoje estou sem assunto. Mas isso é assunto.”, disse certa vez o mestre do “não-tema”.
“Mas que conversa fiada é essa de “não-tema”? Nesse mundo de meu Deus, tema é o que não falta, basta olhar os jornais daqui e de alhures, e eles vão agarrar você pelo pescoço”, diz-me um neurônio impertinente querendo por todos os outros para trabalhar. Sequer dou-lhe o desplante de responder, afinal, estou em pleno exercício do esquema “palavra puxa palavra”, deixando correr solto o fio dos meus pensamentos para assim conversar com o leitor. É que a crônica é, por vezes, como uma conversa de bar, em que uma coisa leva a outra, ou como estar deitado no divã buscando associar livremente uma palavra à imagem que, de repente, lhe veio à mente.
Sinto que o leitor está prestes a dizer que estou a divagar, mas que importa? Divagar é humano, maravilhosamente humano. Divagar é como rebelar-se contra o pensamento, deixar de lado o assunto que nos move e vagar aleatoriamente por todos eles, sem remissão. Dá vontade de parodiar Fernando Pessoa e dizer que divagar é a maneira mais agradável de ignorar a vida. E, para isso, nada mais reconfortante do que condenar a crônica a existir sem assunto e, assim, fazer dela, como queria Rubem Braga, um estado de espírito.