Outro dia, folheando a autobiografia de Friedrich Nietzsche, o Ecce Homo, deparei-me com suas preferências. Não me refiro às preferências filosóficas, mas às pequenas escolhas, aquelas que nos fazem ser o que somos. O que gostamos de comer? Que bebida nos agrada? O que fazemos na hora de lazer?
Ora, Nietzsche é um dos maiores filósofos da humanidade, por que então falar dessas pequenas coisas? O próprio Nietzsche diz que “essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, recreação e toda a casuística do egocentrismo” – são as questões fundamentais da vida. Então, o filósofo nos dá a conhecer suas preferências, a começar pela comida e, criticando ferozmente as dietas alemã e inglesa, afirma que a melhor cozinha do mundo é a do Piemonte, no norte da Itália.
E como discordar do filósofo, após provar o tajarin ao tartufo (com trufas brancas), o agnolotti del Plin ou o maravilhoso brasato al Barolo. Aliás, o Barolo, feito exclusivamente da uva Nebbiolo, é o rei dos vinhos do Piemonte e logo imaginei meu filósofo a degustar a preciosidade. Ledo engano! A bebida que Nietzsche amava era água, e ele tinha suas razões. “Em Munique vivem os meus antípodas”, dizia ele, lembrando que um copo de vinho ou de cerveja bastava para fazer de sua vida um vale de lágrimas. Sujeito a enxaquecas homéricas, concluía: “In vino veritas: parece que também aqui eu discordo do mundo inteiro a respeito do conceito de “verdade …” No meu caso o espírito paira sobre a água”
Que seja, mas Nietzsche tem outras recomendações quanto a nutrição e afirma que uma refeição vigorosa é mais fácil de ser digerida do que uma refeição pequena, pois o estômago deve entrar em atividade como um todo para que haja boa digestão. Há quem duvide, mas ele lembra que cada uma precisa conhecer o tamanho do próprio estômago.
Nietzsche diz que o café nos torna sombrios, que o chá é saudável apenas pela manhã e, ainda assim, é melhor começar com uma xícara de cacau bem grosso e desengordurado. Desaconselha comer qualquer coisa entre as refeições, e recomenda: “Sentar o menos possível: não acredite em nenhum pensamento que não tenha nascido ao ar livre”. E não é que a ideia de escrever este artigo veio-me quando eu fazia minha caminhada matinal. Em se tratando de criatividade, os músculos também precisam participar da festa. “A vida sobre as nádegas é que é o verdadeiro pecado contra o espírito santo…” diz, incontinente, o autor de Humano, Demasiadamente Humano..
Quando escreveu Ecce Homo, Nietzsche estava vivendo em Turim, a capital do Piemonte, próximo a Nice e a Provença, e, encantado com a paisagem e a culinária da região, parecia estar fazendo sugestões a si mesmo. E foi aí, pouco antes de sofrer um colapso nervoso, que escreveu sobre o clima e o lugar que estimula o gênio. Mas isso fica para o próximo artigo.
Publicado no jornal A Tarde em 29/11/2024
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