Duas matérias relacionadas ao agronegócio brasileiro têm chamado a atenção de alguns analistas no período mais recente: o projeto de lei que pretende alterar a reserva legal no bioma Amazônia e a lei de agrotóxicos sancionada no final do ano passado. Tais temas contam com o apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária, agrupamento que reúne parlamentares defensores dos interesses do agro na Câmara dos Deputados e no Congresso Nacional.
Por seu turno , alguns analistas têm criticado a atuação desse bloco parlamentar, taxando-o de arcaico , embora reconhecendo o lado moderno, tecnológico e dinâmico da nossa agropecuária. Essas análises consideram o setor arcaico por propor uma agenda no Congresso Nacional tida por eles como retrógrada e negacionista, que nega todos alertas relativos ao meio ambiente e às mudanças climáticas. A conceituada jornalista Miriam Leitão integra o universo dessas pessoas , tendo escrito um artigo em 12 de maio deste ano, no qual sintetiza suas posições, dizendo ter o setor do agro duas faces, a face moderna e dinâmica e a face arcaica, já referida, com as pautas legislativas apresentadas pelo setor no parlamento. Miriam fala numa relação de mais de 20 projetos de lei e mais três emendas constitucionais tramitando nas duas casas do parlamento , que para ela constituem uma pauta retrógrada. Desse conjunto , ela confere especial destaque ao PL da reserva legal no bioma Amazônia e à lei de agrotóxicos aprovada em dezembro passado.
Quanto ao projeto de lei, de número 3334, de 2023, do senador Jaime Bagattoli, de Rondônia, a ideia é autorizar uma redução da área de reserva legal para até 50% sob certas condições. O argumento central é que o ônus da reserva legal é imposto desigualmente entre as regiões do país. Para uma propriedade rural localizada fora da Amazónia Legal, a reserva legal, segundo o senador, é de 20%, enquanto na Amazônia Legal essa reserva pode chegar a 80%, se o estabelecimento rural for coberto de florestas. Ademais, a Amazônia já contribui com as maiores extensões de unidades de conservação e também as maiores áreas de terras indígenas.
Em nossa opinião, não existe uma base científica assegurando que o coeficiente de reserva legal de 80%, ou qualquer percentual acima ou abaixo desse valor seja o mais apropriado ou compatível com os objetivos de conservação ambiental , da biodiversidade e da fauna e da flora. Deve ser ressaltado, porém, que os 80%, parecem em princípio um ônus elevado, não estando presente ou limitando qualquer outro setor produtivo operando no Brasil. Por outro lado, na experiência internacional, nenhum país tem ou impõe uma exigência dessa natureza ou magnitude. Recentemente, o presidente Emanuel Macron propôs cortar subsídios agrícolas e estabelecer uma área de repouso de 4% dos estabelecimentos agrícolas franceses . Pressionado, desistiu da ideia. Essa era a exigência proposta pelo presidente Macron: uma área de apenas 4% de repouso ou de restrição ao uso na França. E aqui estamos com até 80% de restrição ao uso produtivo. Que isonomia internacional é essa? E ninguém reclama, nem nossos analistas setoriais. É preciso discutir essa questão da reserva legal no Brasil sem radicalismos e calcado em critérios científicos.
Com relação à lei de Agrotóxicos, lei 14.875, de dezembro de 2023, temos discordâncias com os que a chamam de lei do Veneno, oriunda do PL do “VENENO”, pois pode passar a mensagem de que os alimentos produzidos no Brasil têm resíduos de produtos químicos fora dos padrões aceitáveis para o consumidor, em termos de toxidade e dano à saúde. ´Pesquisa da ANVISA já desmentiu essa percepção, segundo Xico Graziano. A ideia é reduzir o prazo de análise para fins de registros , assegurando que as novas moléculas não podem ter graus de toxidade maiores que os vigentes na legislação anterior. De resto vale a analogia vigente para os medicamentos utilizados para o tratamento da saúde dos seres humanos, ou seja, cada nova geração de medicamentos tem maior eficácia que a geração anterior, com menores efeitos colaterais e menor toxidade. A evolução dos novos agrotóxicos segue a mesma lógica. A ciência vem disponibilizando um número crescente de métodos de controle biológico e cultural de pragas e doenças na agropecuária. Mas, ainda necessitaremos por longo tempo dos defensivos químicos. Quem achar que a agricultura orgânica dá conta das necessidades de abastecimento de alimentos no Brasil e no mundo, recomendamos a análise da experiência desastrosa verificada no Sry Lanka, em 2022, onde esse tipo de experimento acarretou uma redução significativa na produção de alimentos nesse país, aumento de preços e renúncia do presidente local. Política pública se faz na base da ciência, e não da ideologia.