O Rio Grande do Sul e o povo gaúcho vivenciam uma tragédia climática de grandes proporções, com mais de 150 mortes, quase 100 desaparecidos, centenas de milhares de desabrigados e desalojados, e destruição de grande parte de sua infraestrutura. Tudo isso vai demandar um gigantesco esforço de reconstrução e um volume de recursos de grande monta.
Essa tragédia permite revelar um cenário de grande escassez em que se encontram os Estados brasileiros em matéria de disponibilidade de recursos financeiros e orçamentários, não dispondo de equipamentos nem recursos para aquisição de equipamentos mínimos para enfrentar crises dessa magnitude e salvar vidas. Estamos falando , por exemplo, de carência de botes, barcos, coletes salva-vidas e outros instrumentos cruciais no esforço de resgate e de salvar vidas humanos. Não há um só helicóptero para operações noturnas, tendo o Estado do Rio Grande do Sul que apelar desesperadamente para o socorro da União e das Forças Armadas nessas operações emergenciais.
Tudo isso está sendo feito num contexto de disputa e polarização política , em que o que o governador gaúcho e o presidente da república pertencem a agremiações partidárias com projetos políticos opostos para o País. Essa situação, de enorme assimetria financeira entre a União, Estados e Municípios, não foi nem de longe enfrentada no âmbito da recente reforma tributária aprovada no Brasil, permanecendo os Estados numa situação de excessiva dependência dos recursos da União para tocar suas administrações, especialmente num contexto como o enfrentado pelo governo gaúcho.
Em situações extremas como essa, vários tipos de intervenção governamental são propostas e outras são às vezes cogitadas, mas tão logo o cenário agudo de crise é minimizado, parte da classe política e do parlamento tendem a por algumas ideias na gaveta. A título de ilustração, nas enchentes ocorridas na Bahia em 2021, há relatos de que alguns integrantes da bancada baiana na Câmara Federal e o então presidente Artur Lira cogitaram propor a ideia de aprovar a criação de uma Fundo Emergencial de Catástrofe, com um volume robusto de recursos, para dar conta da crise. Passada a fase aguda daquela tragédia climática, o assunto não foi mais ventilado e não prosperou.
Por outro lado, o país tem rubricas no orçamento da União para serem aplicadas em tais situações, mas as dotações são de pequena monta e frequentemente objeto de contingenciamentos, e quando liberadas, a enorme burocracia dificulta sobremaneira a chegada dos recursos aos cofres dos Estados e dos municípios.
Finalmente, ainda que venhamos a aprovar leis para enfrentar essas catástrofes, não há a garantia da aplicação plena e imediata do diploma legal. Todos sabem que aqui no Brasil temos leis que “pegam” e outras que ‘não pegam”. Como infelizmente estamos tratando de um contexto de tragédias de largas proporções, vamos dar como exemplo, para ilustrar o nosso raciocínio, a Lei Complementar 137, de 2010, aprovada e sancionada no segundo governo do presidente Lula, que estabeleceu a autorização para a União participar de um Fundo de Catástrofe para o setor agropecuário. Um dos artigos dessa lei previu um aporte pela União de até 4 bilhões de reais para o referido Fundo, destinado a participar da gestão de riscos na agropecuária brasileira, especialmente em eventos de grandes perdas de safras, com grandes disparidades entre a arrecadação de prêmios pelas seguradoras e o volume de indenizações a serem pagas pelas mesmas. A matéria ainda não foi regulamentada, e a lei acima efetivamente ainda “não pegou”. Até aqui é uma lei para “inglês ver”.