Apesar da quebra do monopólio estatal do petróleo desde 1997, a Petrobras continua monopolista de fato – como já era esperado –, mas intenta, agora, reverter o pouco que ocorreu de desestatização. O foco está no setor de refino, tendo pedido a revisão do acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), o xerife da concorrência, para desobrigar-se de alienar 50% da capacidade instalada.
Embora houvesse reservado a si o triângulo Rio-São Paulo-Minas, fora desse eixo e de grande porte, a Petrobras alienou apenas a Refinaria Landulfo Alves – Mataripe (RLAM), cuja importância econômica se configura por representar 14% da capacidade de refino do país, e por ser a principal unidade industrial da Bahia – estado onde o petróleo foi descoberto no Brasil – com participação da ordem de 1/4 da transformação industrial do estado.
Com a privatização, a refinaria de Mataripe – a primeira do Brasil, inaugurada em 1950 – deu dois passos à frente: de dezembro de 2021, quando foi privatizada, até agora, vem passando por um intenso processo de modernização, voltou a produzir em capacidade plena, adequou a política de suprimentos e ajustou o portfólio de produtos, além de contribuir significativamente para a arrecadação tributária estadual.
Paralelamente, a Acelen – empresa criada pelo fundo Mubadala para gerir o negócio – desenvolveu projeto para a produção de SAF (combustível de aviação) e biocombustíveis – em linha com a descarbonização – a partir da macaúba, uma planta do Sertão, criando assim novas perspectivas de desenvolvimento, não só industrial como agrícola, este com foco no Semiárido, a região mais pobre do Estado.
Na área logística, promove a dragagem do Terminal Marítimo de Madre de Deus (Temadre) – o segundo mais importante do país – para tornar possível a atracação de navios de maior porte, como os suezmax, dispensando as operações ship-to-ship atualmente realizadas ao largo da Baía de Todos os Santos.
Apesar da imposição ideológica de reestatização, o fato jurídico perfeito levou a uma negociação via solução de mercado. Assim, anuncia-se agora que a Petrobras passará a ter o controle da refinaria, com uma participação de 51%, para reassumir a gestão da unidade.
A não ser que a parcela do Mubadala na refinaria seja convertida em ações da Petrobras, a lógica é que Mataripe permaneça como um cnpj independente, haja vista a sinergia com o projeto de biocombustíveis – a Acelen biocombustíveis. Afinal, a refinaria passará a processar tanto o petróleo como o óleo vegetal derivado da macaúba. De outro lado, há interesse da Petrobras em tornar-se uma empresa de energia, donde participar do projeto de biocombustíveis. Dessa forma, provavelmente a composição se dará com a Petrobras tornando-se majoritária na refinaria e o Mubadala majoritário no projeto de biocombustíveis.
Embora represente um passo atrás, esta seria uma solução aceitável para a economia baiana. A presença da Petrobras numa empresa em sociedade com o Mubadala – ou qualquer outro sócio privado – não permitiria negligência em relação ao volume de produção e ao portfólio da empresa, face à busca por resultados.
Por sua vez, a presença da Petrobras no comando da refinaria fará com que pratique, em relação a Mataripe, o mesmo preço de venda do óleo que adota para as suas refinarias próprias, enquanto a Acelen está, hoje em dia, submetida ao preço internacional. Isto deverá se refletir na redução do preço dos combustíveis na Bahia.
Fato é que, em pouco mais de dois anos, a privatização de Mataripe provocou um grande impacto positivo na economia, rompendo a inércia que vinha prevalecendo no cenário industrial baiano. O mesmo vem ocorrendo com o desempenho dos campos maduros do Recôncavo, também privatizados, processo que foi interrompido antes da conclusão da venda do Polo Bahia Terra, o último remanescente em nosso estado.
Mas a Petrobras não é imune ao processo de vendas. Ainda agora está concluindo a venda de sua participação na termelétrica de Araucária. Ou seja, mesmo diante de diretrizes ideológicas de governança, critérios econômicos sempre haverão de prevalecer em uma sociedade de economia mista e capital aberto. A alternativa é seguir o triste rumo da venezuelana PDVESA…
Os campos terrestres do Recôncavo não fazem mais sentido econômico para a nossa mega petroleira, que não lhes reserva espaço para investimento. Assim, deve-se manter a expectativa de que o Polo Bahia Terra possa vir a ser alienado.
São visíveis a olho nu os interesses da Bahia em relação ao setor de óleo e gás, inclusive por sua derivação, a petroquímica, donde a necessidade de monitoramento e atenção especial e permanente.
Quanto a retornar o nome do interventor Landulfo Alves para a refinaria não deve haver nenhuma objeção.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.