O riso é próprio do homem, dizia Rabelais, e não posso crer numa pessoa que não seja capaz de rir.
A capacidade de rir é um dos aspectos que nos torna humanos e acredito firmemente que o homem é o único animal que ri. O insuportável ChatGPT informa que “alguns animais têm capacidade de expressar comportamentos que se assemelham ao riso humano”, mas logo se desdiz e afirma que os humanos têm um tipo único de riso. Ora, então é o único animal que ri dessa forma. E o faz de modo zombeteiro, irônico, nervoso, satírico e de muitas outras maneiras, algo que nunca se vislumbrou nos animais.
Com um riso nos lábios é possível enfrentar o mau-humor, a chatice, a arrogância e o arrocha sertanejo. É possível até enfrentar Deus. Sara riu de Deus quando Ele comunicou que ela, com 90 anos, e seu marido Abraão, já centenário, teriam um filho. E foi rindo que disse: “Acabada como estou, terei ainda tal prazer, sendo meu marido já velho?” Só uma mulher teria a coragem de rir de Deus, se fosse um homem o comentário seria outro: “Claro, … vamos ver, … vamos ver o que se pode fazer, o Senhor é quem manda”. Mas isso são coisas de Deus e Ele é presciente, tanto que, antes de Sara rir, comunicou a Abraão que seu filho se chamaria Isaac, que significa “aquele que ri”.
Não pense, todavia, o leitor que rir é uma coisa fácil, tampouco que seja o melhor remédio, como queria a antiga Seleções do Reader’s Digest. O verdadeiro riso, não aquele sorriso cínico ou aquela risada de puxa-saco, mas a gargalhada sonora não é um ato voluntário, não pode ser premeditado. O poeta, romancista, dramaturgo e cineasta francês, Jean Cocteau, dizia que “como o coração e o sexo, o riso procede por ereção. Nada que não o excita o intumesce. Ele não se ergue por vontade”. Ora, Cocteau tem razão, a faculdade da gargalhada é produto de uma química semelhante à do amor, afinal não se sabe porque a gente ama essa pessoa e não àquela e tampouco é possível saber porque rimos de uma pessoa que conta uma história engraçada e não rimos de outra que conta a mesma história.
A verdade é que rir faz bem à alma. Infelizmente, vivemos tempos estranhos e, nas reuniões familiares e mesmo entre amigos, o riso está sendo expulso pelas discussões políticas. “Matar o riso de um homem é um crime”, diria de novo Jean Cocteau, mas hoje assassinatos estão sendo cometidos em locais onde antes existia o reino da piada e dos causos. Cocteau afirma que mata-se a o riso quando o misturamos com problemas políticos, pois ele passa a levar-se a sério. Mas oferece a receita de um amigo que quando indagado sobre sua posição política respondia: “Eu sou um anarquista moderado”. É, um oximoro como esse faz qualquer um rir e acaba com a discussão política.
Publicado no jornal A Tarde em 19/05/2023