Sou antes de tudo um leitor, mas por conta da pandemia, que me obrigava a ficar em casa, tornei-me um cinéfilo. Agora que pandemia arrefeceu, sigo procurando filmes e, ainda que ir ao cinema me encante mais do que ficar sentado no sofá sequestrado pelos Netflix da vida, tenho visto coisas interessantes e juro que não vou chatear o leitor comentando os filmes em preto e branco que eu adoro. Não darei um pio sobre “O Sétimo Selo”, de Bergman, “A Doce Vida”, de Fellini ou “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber, eles falam por si.
Mas filmes novos e interessantes estão disponíveis nos serviços de streaming. Um deles é “Cidadão Ilustre” que conta a história de um escritor argentino que, como Garcia Márquez e sua Macondo, ganhou o prêmio Nobel escrevendo sobre sua cidade natal. Morando em Barcelona, ele é tomado por um ataque de nostalgia e decide aceitar o convite de, após 40 anos, retornar ao lugar onde nasceu. Aí vai perceber que se tornou escritor exatamente para fugir de seu pueblo e que as pessoas só adoram as celebridades quando elas estão longe.
Outro filme maravilhoso, “La Mano di Dio”, de Paolo Sorrentino, se passa quando Diego Maradona foi para o Nápoles e deu ao clube o bicampeonato italiano em 1990. Sorrentino, que já nos havia brindado com duas pérolas do cinema, “A Grande Beleza” e “Juventude”, faz um filme autobiográfico e mostra como Maradona foi decisivo em sua vida de cineasta. Outro filme genial é “Força Maior”, do aclamado diretor sueco Ruben Östlund, Palma de Ouro em Cannes com “The Square: A Arte da Discórdia” que discute os limites da arte moderna num mundo em que tudo pode ser arte, desde a instalação que precisa ser explicada até o aparecimento de um troglodita na festa de gala do museu.
Nesse filme, Östlund põe em cheque o relacionamento entre homens e mulheres na sociedade atual. E traz à luz a discussão sobre qual o papel do homem em uma relação na qual ele não é mais o provedor, divide com a esposa a manutenção da família e deixou de ter o lugar de “protetor” da unidade familiar. Nesse contexto, o diretor traz uma situação limite na qual o homem se comporta de forma surpreendente para surpresa de sua empoderada mulher. Fugindo do spoiler, digo apenas que o filme é desconfortável para os homens e vai gerar muita DR, ainda que seja uma realidade bem nórdica, muito distante do nosso Brasil onde o feminicídio mata milhares de mulheres estejam elas empoderadas ou não.
E destaco por fim “Medida Provisória”, dirigido por Lázaro Ramos e baseado na peça “Namíbia, Não!” de Aldri Anunciação, que interpreta Ivan, um dos negros que se refugia num afrobunker após a lei que ditatorialmente impôs a volta de todos os negros brasileiros para a África. É um filme denúncia, uma distopia bem atual num Brasil onde a violência contra os negros impera. Todo brasileiro deveria ver.
Publicado no jornal A Tarde em 02/09/2022