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MEU REINO POR UM CAVALO – ARMANDO AVENA

Redação - 19/08/2022 08:17 - Atualizado 19/08/2022

Durante muito tempo lecionei a disciplina História das Ideias Políticas na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA e, invariavelmente, dava aos meus alunos como tarefa de classe a leitura e interpretação da peça Ricardo III, de William Shakespeare. O objetivo era apresentar a eles a mais perfeita descrição de um tirano, de um homem que para alcançar o poder mente, engana e emprega todos os meios para atingir seus fins.

O Duque de Gloucester é um mestre da mentira. Inventa profecias, engendra inimigos, faz-se de simples e bondoso para obter o apoio do povo e daqueles que estão próximos com o único objetivo de alcançar e manter o poder. E assim, após ter assassinado Eduardo, príncipe de Gales, casa-se com a viúva, Ana, convencendo-a de que estava arrependido e que fez isso pela Inglaterra. Depois, divulga uma profecia que diz que o rei Eduardo IV, preso a uma enfermidade,  seria  assassinado por um herdeiro do trono cujo prenome se inicia com a letra “G”.

O rei  manda então prender na Torre de Londres seu irmão George, Duque de Clarence, onde por ordem de Gloucester, irmão de ambos,  será assinado. E, com a morte do rei, torna-se Lorde Protetor do novo rei, de apenas 12 anos, que, supostamente para sua segurança, é colocado com o irmão na mesma torre, onde desaparecem sem deixar vestígios.  E no bojo de todo tipo de mentira, das intrigas mais torpes e de muitas mortes, Gloucester será coroado rei da Inglaterra com o título de Ricardo III.

Ele próprio sabe-se um vilão e após determinar a morte dos adversários, define-se a si mesmo: “ E assim visto a nudez de minha vilania com alguns pedaços colhidos nos livros sagrados e pareço-lhes um santo, enquanto represento o papel de demônio!”

Mas não há vilão, tirano ou populista que perdure e o reino rebela-se contra o ditador. Mesmo com um exército maior, Ricardo III é derrotado e ao ter seu cavalo morto em combate e ver-se  frente ao inimigo, o conde de Richmond,  clama desesperado: “Meu reino por um cavalo”.

O personagem de Shakespeare, que tem existência histórica, é a perfeita definição do tirano e suas ações se assemelham a ditadores, como Hitler, que inventou o inimigo judeu e assassinou milhões deles, ou Stalin que matou 20 milhões de pessoas.

Nesses tempos modernos, os tiranos são políticos do baixo clero e chegam ao poder através da democracia, para então tentar destruí-la. Mas usam os mesmos artifícios e com a mesma vilania propagam versículos do Evangelho para fazerem-se de santos quando na verdade são demônios capazes de na pandemia renegar as máscaras salvadoras e receitar remédios ineficazes. E também inventam inimigos, afirmando que a nação está à mercê de comunistas que ninguém vê e fazem intrigas, imprecam contra as urnas eleitorais e blasfemam contra a Suprema Corte. Mas eles não passarão e, frente a vontade do povo que deseja a democracia, vão, mais cedo ou mais tarde, gritar covardemente: meu reino por um cavalo!

Publicado no jornal A Tarde em 19/08/2022

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