A Bahia é o terceiro pior estado em transparência no setor Judiciário, no quesito disponibilidade de informações sobre a remuneração dos magistrados e magistradas, atrás apenas do Piauí e do Ceará. Nos últimos quatro anos, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) ficou 17 meses sem publicar os dados salariais no sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o equivalente a 53% do total de contracheques. Publicar informações detalhadas sobre os contracheques do poder judiciário passou a ser obrigatória partir de uma resolução de 2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Os dados são do último relatório da Transparência Brasil, uma organização não-governamental que combate à corrupção no Brasil. O estudo, feito em parceria com o CNJ, a partir de um acordo de cooperação técnica, foi publicado, no último mês de março. Ele analisou todos os contracheques dos 27 Tribunais de Justiça do Brasil, entre 2018 e 2021. O resultado foi uma grande lacuna: 60.179 holerites de 15 dos 27 tribunais estaduais deixaram de ser publicados.
Em nota, o TJ baiano disse que lamenta a divulgação de informação equivocada em relação ao posicionamento do tribunal sobre prestação de contas do judiciário. “Basta visitar o site do Poder Judiciário da Bahia para ver as informações disponibilizadas em tempo real. As informações são enviadas dentro do prazo legal para o Conselho Nacional de Justiça, que deve confirmar os dados aos órgãos de imprensa de todo o país”, diz a nota do TJ.
O índice de transparência do relatório é composto por duas d mensões i: facilidade e completude. A facilidade significa o quão acessível é o painel do CNJ. Segundo a ONG, ela é baixa porque o portal “exige muitos cliques de um usuário para baixar cada mês de remuneração de cada um dos tribunais”. Para automatizar a pesquisa, eles criaram um código que simula cliques, pois o trabalho manual demandaria muito. Para a organização, isso é um “grande entrave para o controle social”. No quesito completude, além da ausência de material em vários meses, há problemas nas especificidades dos dados. Os tribunais disponibilizam só a informação do gasto total com as remunerações e não os salários individualizados, como é definido pela Resolução 215/2015 do CNJ.
Dados abertos facilitam controle social
Outro problema que prejudica a transparência dos tribunais é a não disponibilização das informações em dados abertos. Segundo a diretora-executiva da Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnucci, esse formato favorece investigações. “Dados abertos são um tipo específico de política de transparência que permite ao poder público disponibilizar informações em formato mais acessível, legível por máquina, padronizado e estruturado. Isso permite análises e estudos mais potentes do que relatórios em PDFs, por exemplo”, explica Fernanda. Além disso, a prestação de contas em dados abertos é uma obrigação legal do Estado, pela Lei de Acesso à Informação. “É obrigação do poder público cumprir esse direito constitucional nosso de acessar informações, de conhecer como as políticas públicas e recursos estão sendo direcionados”, defende.
Para ela, é preciso avançar nq responsabilização daqueles que descumprem a política de transparência. “Quando a gente tem essa lacuna de dados, ficamos no escuro em relação à distribuição dos recursos e de quem está sendo beneficiado. E o Brasil tem baixos níveis de responsabilização. O próprio Judiciário e o Ministério Público deveriam fazer esse controle”, destaca. Para o advogado Bruno Morissutti, cofundador e coordenador de advocacy da Fiquem Sabendo, agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), a falta de transparência distancia a população dos órgãos públicos. “O Tribunal de Justiça da Bahia deveria encaminhar, periodicamente, os dados para o CNJ incluir no sistema. E, infelizmente, essa baixa accountability torna muito difícil para qualquer pessoa, mesmo para um advogado, entender o funcionamento do Judiciário. Que dirá para um cidadão comum”, afirma Morissutti.
Ele, pessoalmente, enquanto advogado, passa por diversas situações como essa. “A resposta do TJ-BA é lenta. Além de ser difícil de pedir informação, ela vem com atraso. Além disso, os advogados não são consultados quando os tribunais mudam regras, critérios de sistemas eletrônicos. Eles sequer consultam a população diretamente interessada e isso acaba gerando desconfiança e reclamação, prejudicando a imagem desse órgão, que deveria interagir com as pessoas”, argumenta.
Salários chegam a R$ 62 mil
Dentre as informações disponibilizadas no site do CNJ, os salários brutos dos servidores baianos variam de R$ 28.398,07 a R$62.223,82. O menor salário pertence a Alysson Antônio de Siqueira Godoy, que estava em curso de formação para ser juiz, em 2021. Já o maior é do juiz titular da 31ª Vara do Sistema de Juizados Especiais, Ailton Batista de Carvalho. Se forem descontados os impostos, os rendimentos ficam entre R$22.088,32 e R$55.342,89, respectivamente.
Atualmente, são 675 desembargadores e juízes na Bahia, de acordo a última folha de pagamento disponível no site do CNJ, de fevereiro de 2022. Três dele ganham mais de R$ 50 mil líquido, outros 17 entre R$ 40 mil e R$ 50 mil, 381 na casa dos R$ 30 mil e outros 274 entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. Ao todo, eles geram um custo de R$ 25,6 milhões por mês, considerando os encargos, o que dá uma média de R$ 37,9 mil por funcionário.
Além dos altos salários, os desembargadores, juízes e servidores do TJ-BA tiveram o auxílio-alimentação reajustado. O valor do benefício passou de R$1,3 mil para R$1,5 mil – um aumento de 15,4%. A decisão foi publicada, no último dia 22 de março, pelo presidente da Corte baiana, o desembargador Nilson Castelo Branco. O reajuste começará a valer em abril. A última correção foi em outubro de 2019. A categoria ainda terá um reajuste salarial linear de 4%.
Tribunais têm 30 dias para responder CNJ
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que usará o relatório da Transparência Brasil para melhorar o sistema. “O CNJ espera, a partir desse relatório, aprimorar ainda mais a transparência do Judiciário, um dos principais compromissos do ministro Luiz Fux para seguir aproximando o Judiciário da sociedade”, informa, por meio de nota. O CNJ também tem procurado apurar “todos os casos específicos de possível descumprimentos das determinações”, através de ofício. Eles terão 30 dias para responder ao Conselho. “Em recente decisão do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, proferida em 11 de março, ficou determinada a intimação dos Conselhos e Tribunais submetidos à jurisdição administrativa do Conselho Nacional de Justiça para que, no prazo de 30 dias, prestem informações atualizadas a respeito do atual estágio de implementação da Resolução CNJ n. 215/2015”, explica.
O Conselho diz ainda que “tem ciência de que há lacunas no Painel de Remuneração dos Magistrados” e “tem procurado sanar essas inconsistências”. Porém, desde que entrou no ar, em 2017, o painel tem enfrentado problemas de alimentação por parte dos tribunais. “Para esse fluxo funcionar devidamente é necessário que os tribunais sigam o preenchimento das informações na planilha padrão. Alguns tribunais, no entanto, mandam as planilhas com formatação diferente e, como consequência, o sistema não consegue fazer a correta leitura dos dados”.
Nota do TJ
Em nota, o TJ baiano diz que o Poder Judiciário do Estado da Bahia conquistou o 6º lugar no Ranking da Transparência 2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse foi o melhor resultado em termo de percentual: a pontuação de 96,62%, entre todos os tribunais estaduais. Considerando os Tribunais de médio porte, a posição do PJBA é o 4° lugar. “A conquista é a resposta de um trabalho coletivo, que mobiliza diversos setores, servidores e magistrados, e demonstra que o PJBA se destaca no fornecimento de informações de modo claro e organizado, para todo cidadão”, afirma a nota.
O Ranking da Transparência do Poder Judiciário tem como finalidade conseguir, com dados objetivos, avaliar o grau de informação que os tribunais e conselhos disponibilizam aos cidadãos. A Resolução do CNJ nº 260, de 11 de setembro de 2018, instituiu a pontuação, que é realizada anualmente. A Portaria do CNJ nº 101, de 26 de março de 2021, divulgou os critérios de avaliação que foram utilizados na elaboração desta terceira edição.
Participaram 91 tribunais, inclusive os tribunais superiores. Os itens para avaliação foram distribuídos em nove temas, compostos por 83 perguntas, distribuídas em áreas como gestão; audiências e sessões; serviços de informações ao cidadão (SIC); tecnologia da informação e comunicação; gestão orçamentária; licitações, contratos e instrumentos de cooperação; gestão de pessoas; auditoria e prestação de contas; sustentabilidade e acessibilidade. As informações repassadas foram analisadas pela equipe técnica do CNJ. (Coreio)
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