JOSÉ MACIEL DOS SANTOS FILHO (1)
Em coluna de março de 2021, destacamos o debate da necessidade da busca de alternativas para fazer a rotação de culturas com a soja nas áreas de cerrado, no momento em que esta leguminosa avançou no Centro-Oeste e cerrados do Nordeste. Após longo esforço, as pesquisas da EMBRAPA indicaram o trigo como uma das opões, elegendo os estados do Centro-Oeste, Minas Gerais, São Paulo, Distrito Federal e Bahia como áreas que poderiam ajudar o Brasil no aumento da produção e na conquista da autossuficiência no abastecimento interno deste cereal . Essa meta da autossuficiência é o tema de hoje.
É importante ressaltar que na coluna do ano passado referida acima o nosso pensamento residia na redução das importações brasileiras , concentradas nas compras do trigo argentino. Nesse período, a nossa avaliação mudou, e agora, acreditamos , a busca da autossuficiência se impõe. Vejamos os motivos desta guinada.
O argumento central, também defendido pela ABITRIGO-Associação Brasileira das Indústrias do Trigo, consiste no fato de que, a exemplo dos fertilizantes, o Brasil não pode depender de importações deste cereal estratégico, ainda mais num montante de algo como 50% de nosso consumo interno e desses 50%, mais de 80% são compras de um só país: a Argentina. É um coeficiente de importações muito elevado, configurando uma grande vulnerabilidade no abastecimento de nosso mercado. Temos um consumo interno superior a 12 milhões de toneladas anuais de trigo, e uma produção interna flutuando entre 6 e 7 milhões de toneladas.
Pelo lado argentino, a oferta para o Brasil pode sofrer ameaças e instabilidades, por conta de problemas climáticos e de frustração de safras; pela habitual política argentina de retenção de exportações do produto visando assegurar o suprimento de seu mercado e formação de estoques, especialmente em épocas de turbulência e aumentos de preços internacionais, como ocorre agora; e de surgimento de outras opções de países para os quais os argentinos podem exportar, a exemplo da Indonésia, e de possíveis oportunidades de exportações para países europeus, que no momento estão impossibilitados de compra do trigo russo, por conta das sanções impostas pelo Ocidente ao governo de Putin, em decorrência da guerra Rússia-Ucrânia. A Indonésia está comprando da Argentina quantidades equivalentes às compradas pelo Brasil, e este fato parece que veio para ficar. Portanto, depreende-se , dos argumentos aqui elencados, que o Brasil não se encontra numa zona de conforto segura importando trigo argentino, ainda mais numa proporção acima de 80% de suas compras externas.
Nos termos acima discutidos, parece que o governo brasileiro terá que tomar uma decisão de política setorial e a autossuficiência (ou uma redução drástica de importações) no abastecimento interno de trigo parece a opção mais prudente. A avaliação da EMBRAPA e da ABITRIGO, com a qual estamos de acordo, recomenda concentrar nossos esforços de produção interna adicional para o objetivo da autossuficiência, nos cerrados do Centro-Oeste, São Paulo, Minas Gerais, DistrIto Federal e regiões da Bahia, destacadamente o Oeste e, em menor medida, a Chapada Diamantina. Temos aí alguma coisa perto de 25 milhões de hectares com aptidão climática para esta lavoura. Como precisamos produzir mais 5 milhões de toneladas anuais para alcançar nosso objetivo, iremos necessitar de 1 a 2 milhões de hectares a mais para o plantio. O primeiro caso refere-se a 1 milhão de hectares sob regime de irrigação; no segundo caso estaria indicada a quantidade de terras se a opção fosse pelo plantio de sequeiro. Parece claro que a maior parte do esforço de produção adicional deve ocorrer em terras irrigadas. Esse é o caso da Bahía, seja no Oeste, seja na Chapada Diamantina.
Em coluna de fevereiro último, indicamos levantamento de órgãos oficias dando conta de uma área de quase 200 mil hectares cobertas com pivôs centrais na Bahia, a maior parte localizadas justamente no Oeste e na Chapada. Se tudo isso fosse destinado ao trigo no inverno , a Bahia contribuiria com 20% deste esforço de plantio adicional. No entanto, isso é impossível , já que grande parte dessa área tem destino já definido, com lavouras permanentes, sobretudo café e fruticultura, e também lavouras temporárias, como batata inglesa, frutas temperadas e outras opções. Caso hipoteticamente a Bahia possa dispor de algo como como 30% da área com pivôs centrais, teríamos uma área de cerca de 60 mil hectares aptas para a nossa produção de trigo (6% do montante nacional de terras irrigadas requerido), visando o esforço de autossuficiência. Uma meta dessa magnitude fixada para o nosso Estado não significaria uma contribuição desprezível no esforço nacional de autossuficiência. Para isso, teríamos de ter crédito rural a juros atraentes , política de seguro rural, mais pesquisas de novas variedades, e a instalação de pelo menos um moinho na região de Barreiras. Enfim, em qualquer esforço de aumento da produção brasileira de trigo, a Bahia deverá estar contemplada.
Consultor Legislativo e doutor em Economia pela USP. E-mail: