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O TEMPO É REI – SAMUELITA SANTANA

Redação - 22/02/2022 12:04 - Atualizado 22/02/2022

Depois de decidir – por conta própria e risco -, transformar meus últimos meses num movimento sabático que me levasse a uma viagem intimista de buscas pessoais, reflexões e possíveis mudanças, me atrevo a “desmergulhar” a mente para tentar emergir e avaliar, nem que seja por pouco, a qualidade, a beleza e os defeitos encontrados nas conchas apanhadas nessa submersão.  Na verdade, tudo se torna muito mais fácil quando, apesar das inquietações, decidimos seguir e tocar a vida com aquele orgulho e convicção de que estamos fazendo o que tem que ser feito, sem maiores distrações mentais que atrapalhem a rotina estabelecida ou desafiem a manutenção do nosso _status quo_. O giro normal é esse. E tende a se alongar por uma boa parte da nossa vida de adultos profissionais, cumpridores das obrigações que a vida nos impôs, das tarefas circunstanciais e daquelas que escolhemos encarar. O elástico é imenso, ele aguenta firme e mesmo quando começa a afrouxar forçamos a sua flexibilidade. Por isso lá vamos nós esticando a corda. E a mesma vida.

Mas aquele tal momento do _stop_ chega cedo ou tarde, nos forçando a uma parada obriogatória. Seja ela imposta ou opcional. No meu caso foi a comunhão de dois fatores: impostos e opcionais. Porque quando o girar da vida, a profissão e nós mesmos somamos um turbilhão de intensidade, o desgaste chega junto com um milhão de questionamentos e reflexões sobre o nosso lugar no mundo. O que fiz até aqui, o que sou hoje e para onde devo ou quero ir são os mínimos das demandas. Conquistas, acertos, erros e o que se tem na mão aqui e agora pode ser um presente a desembrulhar com alegria ou uma bomba, prestes a explodir e a ser jogada lá longe. Os estilhaços certamente nos afetarão. Mas o melhor é, se for bomba, que exploda lá. E não cá!

Por isso, à uma certa altura da estrada, é fundamental e necessário que paremos e sentemos à beira do caminho. Para olhar a paisagem que construímos ao nosso redor e avaliar o que, de fato, plantamos, regamos e erguemos de importante e sólido ou o que simplesmente deixamos de concretizar ou florescer. E o que deixamos para trás. Parada fundamental para analisar o que consolidamos, o que descartamos, o que distruímos e o que nos resta de bom, de ruim, ou de nem tanto, a fim de seguirmos em frente. Uma interseção difícil. Uma rotatória enigmática, incerta e cheia de ramificações. Chegar a esse ponto da vida com o propósito de se detectar, conhecer e perceber – a partir dali -, o porvir, não é tarefa fácil. O processo é árduo, longo e sofrido. Porque, sim, nem tudo se mostrou flores pelo caminho, nem tudo resultou no que foi planejado, nem tudo foi acerto, nem tudo foi altruísmo, idealismo, dignidade ou amor. O nosso dual esteve sempre na trajetória.

Ao vislumbrar o cenário da estrada é fácil encontrar as vicinais das nossas falhas, teimosias, acomodações, inações e equivocadas decisões. E então dói. Mas a maturidade já alcançada – sim, porque esse _break _só acontece mesmo na maturidade e, diga-se, aqui não se trata apenas de idade –  alerta que o caminho já trilhado não tem volta e só existe a alternativa de seguir. E esse é o trampolim que nos leva ao mergulho. E o que encontramos de mais profundo nessa imersão é a escadinha que também nos leva de volta à superfície e nos ajuda a definir os rumos do nosso “seguir”.

O _modus _seguir, naturalmente, é pessoal. Mas a mudança é inevitável à todos os que se dispuseram aprofundar e descortinar novos valores, novos ares, novos fazeres, novos prazeres, novos amores. O vácuo criado entre o mergulho e a emersão tende a gerar algumas perdas, afastamentos, cobranças, patrulhas e incompreensões. Mas, seguramente, determinará novos quereres, caminhos, posturas e, claro, novas adaptações, outras tantas incertezas, desassossegos, apertos e novas aflições. Porque longe de ser linear e por mais que a sabedoria e a maturidade alcancem nossa trajetória, a vida será sempre esse aprendizado dinâmico, de tentativa e erro, de dúvidas, de acertos.

Desse meu infinito sabático particular – que ainda não terminou – venho experimentando inúmeras vontades e sensações. Sentimentos que permeiam novos _modus vivendi, _sim, mas consolidam antigas percepções. Aquelas em que o mergulho me fez enxergar como pétreas, intocáveis e necessárias à minha sustentação. E me vem Clarice Lispector na mente: ” … até cortar os defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro…” Afinal – ainda lispectoriando – há momentos em que o seu primeiro dever diz respeito a você, ao que você intui modificar, cortar, preservar, se adaptar ou simplesmente deixar intacto, se assim a sua essência pedir, respeitando o que há em você e descobrindo a melhor cópia de si mesmo. Porque mergulhar em si e emergir com a real necessidade de mudança, não significa transmudar-se por completo, transformar-se em outro ser. Ao contrário, como disse numa certa reflexão o padre Fábio de Melo, reinvertar-se não é trocar de alma, é trocar a roupa da alma, deixando fluir uma versão inédita do ser que você sempre foi.

Na busca dessa nossa batida mais perfeita – o que não quer dizer perfeição – é imprescindível reconhecer, entretanto, que apesar daquela nossa substância imutável é na vastidão desse mergulho, em mar aberto, que haveremos de lidar com as inquietações que clarividam as diferenças das diversas fases que o tempo trás. E elas vão apontando que já perdemos ou estamos perdendo alguma coisa, morna e ingênua que vai ficando pelo caminho. Bem assim como ressoa o _Poema_, de Cazuza, musicado por Frejat e interpretado com virtuose por Ney Matogrosso. Em meio a essa constatação um tanto melancólica que bate na caixa de ressonância das relações e interaçãos com todos os nossos mundos – pessoais, emocionais e profissionais – nadamos quase em silêncio, quase sem perceber, para uma área _flat_ do mar. É justamente ali, na calmaria das ondas que a gente quebrou, que surgem outras vontades, anseios e decisões. E é ali também, mesmo sendo escuro e frio esse lugar, que ele revela-se também bonito e iluminado pela beleza do que você deixou pelo caminho, pelo que você ergueu, pelo que você implodiu, pelo que não conseguiu e pelo que se foi há minutos atrás (Poema, Cazuza).

E, mais uma vez, o que virá dessa busca do que lhe cabe como melhor de si, é absolutamente pessoal. Seja para o sossegar da vida ou para o girar em alta. Porque esse é o nosso único meio de viver: escolhermos ser cópia de nós mesmos e não a cópia de alguém ideal (C.L.). Do meu sabático especial vai ficando por enquanto uma certa tendência _slow_. _Slow_ TUDO. Do _news _ao living. Uma preferência que se consolida depois de ter tanta pressa, correr, produzir em ritmo frenético, acompanhar o mundo tech, se provar como_ trend, _e, óbvio,

sentir o gosto meio amargo do estresse, da pressão e das cobranças. O desconforto que hoje me faz refletir também gerou questionamentos sobre os reais benefícios desse eterno desenfrear, desse eterno reinventar e o entendimento de que o movimento_ slow,_ que começa a fazer sentido no mundo inteiro e nas mais improváveis esferas profissionais, tem tudo a ver com eficiência, com qualidade, profundidade e essência. É o desligar-se do automático, o desacelerar, o olhar para si, para as humanidades e então descobrir que a velocidade que se espera de tudo não pode ser o normal da vida. E que não se trata de lutar contra a vida veloz, mas de entender onde essa velocidade procede e onde é mais efetivo reduzir o ritmo, focar no genuíno, na relevância, na personalidade e na assinatura pessoal que só o tempo carimba.

O melhor disso tudo nesse lento retorno à superfície é ir percebendo que até mesmo eu, nos meus instantes de “_QUIZ”,_ ou daqueles que me observam, embora por vezes acreditemos em perda de força ou vivacidade, só mesmo o velho _Tempo Rei_ se encarregará de apontar os ganhos do sossego da alma, da comodidade, do conforto de reduzir bagagens, limpar excessos, desacelerar, se reconhecer, calar opiniões, silenciar julgamentos, esticar tolerâncias, priorizar, conscientizar meu próprio tempo, ouvir, pausar, produzir com o equilíbrio da calma, andar sem pressa, trocar saltos por rasteirinhas, me flagrar mais simples, mais feliz e constatar que, sim, a roda pode girar mais devagar. Ou não! A escolha será sempre pessoal!

Samuelita Santana

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