A cada segundo, 941 mil litros de água são distribuídos em plantações de todo o Brasil. Isso significa que, em um ano, são utilizados mais de 29,7 trilhões de litros para irrigação de 8,2 milhões de hectares no país. Revelados no 2º Atlas Irrigação – Uso da água na agricultura irrigada, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), os dados apontam para a necessidade de incluir a prática agrícola da irrigação dentro das discussões que fazem parte do Dia Mundial da Água, celebrado neste 22 de março.
A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992, visando a conscientização da população sobre a urgência da preservação do principal recurso natural da Terra e do desenvolvimento de formas sustentáveis para seu uso. Nesse contexto, a irrigação brasileira vem se transformando e se modernizando, especialmente visando o aumento da eficiência de seus sistemas e métodos, que precisam atender uma alta demanda hídrica e evitar o desperdício a qualquer custo.
Ainda de acordo com o Atlas Irrigação, a necessidade de captação de água para as lavouras, em 2019, correspondeu a 49,8% de toda a demanda nacional. Em comparação, o uso humano (rural e urbano) foi equivalente a 25,9%. A tendência, por sua vez, é que esse uso seja cada vez maior, já que pesquisas e especialistas apontam espaço para que a área irrigável no país cresça até 700%.
“O Brasil tem potencial de irrigação para 55 milhões de hectares. Só que, hoje, nós irrigamos pouco mais de 8 milhões. Isso acontece porque, quem ainda não irriga, precisa ser convencido que o investimento traz retorno. Do outro lado, quem já irriga está convencido disso, porque sentiu os efeitos multiplicadores da prática na socioeconomia e no meio ambiente. As oportunidades oferecidas pela agricultura irrigada são muito claras”, afirma o pesquisador Fernando Braz Tangerino Hernandez, professor titular de Irrigação e Drenagem da Unesp.
Para mostrar essas oportunidades, o g1 elaborou, com apoio do especialista, uma lista com 7 curiosidades sobre a irrigação nas lavouras brasileiras.
1- País é o 6º no ranking mundial
O Brasil já aparece em 6º lugar na lista dos 10 países com a maior área equipada para irrigação do mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Os cinco líderes mundiais são a China e a Índia, ambos com cerca de 70 milhões de hectares cada, seguidos dos Estados Unidos (26,7 milhões), do Paquistão (20 milhões) e do Irã (8,7 milhões).
Ainda em 2022, deve ser confirmado pelos órgãos responsáveis um novo recorde no país em relação ao número de novas áreas agrícolas irrigadas: mais de 300 mil somente em 2021, segundo o professor Hernandez. Até então, o melhor ano da agricultura irrigada no Brasil havia sido em 2013, quando foram incorporados cerca de 270 mil novos hectares irrigados.
“Depois, veio a crise hídrica de 2014/2015, que fez com que caíssemos, nos anos seguintes, para um patamar de 190 mil novos hectares ao ano. Mas a curva ascendente foi sendo retomada aos poucos. Do ano passado, ainda não temos os números consolidados, mas com certeza romperemos o recorde de 2013 e avançaremos, incorporando mais de 300 mil. O país está maduro e essa é uma tendência”, diz o pesquisador da Unesp.
2- Há diferença na prática da irrigação
Toda essa expansão se tornou possível graças ao desenvolvimento da prática de irrigação, que tem se dado pela modernização em duas frentes: dos métodos e dos sistemas. Enquanto os primeiros são definidos pelas formas com que a água chega até a raiz das plantas, os sistemas são variações dos métodos. Por exemplo: em larga escala no Brasil, existe o método de irrigação por superfície, predominante nas plantações de arroz e na região Sul. Ele pode ser praticado pelo sistema de sulcos ou de inundação.
Outro método é o da aspersão, dividido nos sistemas: convencional, carretel enrolador, deslocamento linear e pivô central. “Sem dúvida, esse método é o mais comum, com uso em todas as culturas, inclusive aquelas perenes. Já o sistema de pivô central é também a mais moderna tecnologia embarcada entre todos os sistemas de irrigação”, explica Hernandez. Existe ainda o método de irrigação localizada, com o qual apenas parte do terreno recebe água, a partir dos sistemas de microaspersão ou de gotejamento, tendo este maior utilização em diversas culturas.
3- Menos água também pode representar desperdício
Com tantos métodos e sistemas, será que é possível apontar qual é o mais eficiente? Se o consumo de água for a base para tal análise, o professor da Unesp explica que a escala de eficiência, em porcentagem, cresce na seguinte proporção: sulco, carretel e rolador (75%); aspersão convencional, pivô central e deslocamento linear (85%); microaspersão (90%); e gotejamento (95%).
Mas ele alerta que, quando falamos de eficiência dos sistemas de irrigação, é a produtividade obtida com a água, ou seja, o quanto de alimento que foi produzido, que conta. Então, nesse cenário, economizar água não significa só evitar o desperdício. “Tanto a irrigação com menos água do que a planta necessita, como com mais água, não são boas. Por isso, o uso inteligente da água passa efetivamente por estimar as necessidades ou as perdas de água nas diferentes culturas”.
4- Gota a gota para otimizar uso da água
De acordo com o pesquisador, as estimativas de necessidades e perdas estão ganhando cada vez mais precisão, permitindo o contínuo melhoramento do uso da água. “O dimensionamento pode ser feito pela medição, com sensores de solo, da evapotranspiração, que é a perda de água por evaporação do solo e pela transpiração da planta. Medindo essas fontes de água, conseguimos saber qual é a real necessidade da cultura, em determinado momento, e, assim, descobrir quanto de água colocar e quando”, afirma Hernandez.
Entre as tecnologias para que esse tipo de medição seja feita, uma startup desenvolvida na incubadora de empresas do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) desenvolveu uma ferramenta digital que, segundo estudos do Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), pode reduzir em até 20% o consumo hídrico de lavouras irrigadas com o sistema de pivô central.
“Com a tecnologia de automação atrelada a tecnologia de manejo de irrigação, existem estimativas que apontam redução de 40% na demanda de água. Ao mesmo tempo, essa união permite mais precisão em períodos de estiagem, fazendo com que, independentemente, de chuva tardia ou na falta dela, seja possível irrigar”, aponta o engenheiro de telecomunicações Igor Mendes Pereira, CTO da Soil, plataforma que automatiza, otimiza e gera dados do sistema de irrigação.
5- Irrigação na palma da mão
O sistema da Soil funciona nas lavouras onde é praticado o método de aspersão com sistema de pivô central, a partir da automatização das operações de forma centralizada por um aplicativo. Com ele, é possível, por exemplo, agendar os horários de irrigação e controlar a quantidade de água liberada, além de obter informações em tempo real das regiões irrigadas.
“Dessa forma, temos a redução dos gastos de energia, água, veículos e funcionários. Consequentemente, existe ainda economia financeira e diminuição dos impactos no meio ambiente. Tudo isso sem depender da cobertura de internet na fazenda”, destaca o CTO da plataforma.
Para o professor Hernandez, com técnicas como essas, aliadas ao planejamento e a estruturas de armazenamento de água, é possível minimizar ou mitigar os efeitos causados pela variabilidade das chuvas nas diferentes regiões do país, de modo a proporcionar mais segurança produtiva para as lavouras.
6- Segurança hídrica é igual a mais segurança alimentar
A prática da irrigação, que acontece no mundo todo e começou no Brasil em 1900, foi desenvolvida como uma solução para a manutenção da produtividade das lavouras diante da imprevisibilidade do tempo e, principalmente, em regiões onde a quantidade de chuvas não era capaz de suprir as necessidades das culturas. Com o tempo, os excelentes resultados obtidos com a técnica expandiram também seus objetivos. Hoje, a irrigação permite ainda que vários cultivos aconteçam ao longo do ano, aumentando o número de safras.
“Com isso, ela oferece, como consequência, uma maior segurança alimentar e nutricional à população brasileira. Afinal, a produção de culturas como arroz, batata, tomate, cebola e pimentão, além da maioria das frutas e verduras, dependem diretamente dos sistemas de irrigação”, destaca Hernandez.
Mas, nesse ponto, ele faz questão de avaliar que, ao contrário do que costuma ser dito, “a irrigação não aumenta a produtividade; ela garante a produtividade. Porque se a chuva vier no momento certo e na quantidade certa, não precisamos de irrigação. Mas a pergunta é: ela vai vir?”
7- A roda que faz a economia girar
“Como a irrigação possibilita pelo menos duas produções ao ano, geramos até duas vezes mais empregos, especialmente entre as culturas mais prejudicadas pela chuva, como a da cana-de-açúcar. Ela tem apresentado produtividade média decrescente justamente devido às chuvas nos últimos anos terem tido uma variabilidade muito grande de volume e local”, destaca o professor de Irrigação e Drenagem, revelando ainda que os municípios com maior valor da produção agropecuária (VPA) são liderados por aqueles que têm uma área irrigada expressiva, em especial no Nordeste, onde a quantidade de chuva é muito restrita. Dessa forma, seus reflexos vão muito mais além da garantia de produtividade das lavouras, afetando toda a cadeia econômica nacional. “A possibilidade de se produzir alimentos o ano todo gera riqueza o ano todo, antes e depois da ‘porteira’, desde o combustível utilizado para trazer o adubo até a hora que a comida chega ao prato. Sem dúvida, a irrigação faz rodar a economia”, afirma o pesquisador da Unesp.
Foto: divulgação