O STF (Supremo Tribunal Federal) tem na pauta desta quarta-feira (6) um debate que desagrada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A corte definirá o formato de depoimento que o chefe do Executivo, na condição de investigado, deverá prestar à Polícia Federal. A questão é desdobramento do inquérito aberto no ano passado para esclarecer se o mandatário interferiu no comando da PF. Ele nega.
O debate ocorre no momento em que o tribunal evita assuntos capazes de reaquecer a crise institucional entre os Poderes que chegou a seu ápice no 7 de Setembro. Após nota em que Bolsonaro afirmou que não tinha a intenção de atacar a corte e seus integrantes, o Supremo contribuiu para arrefecer os ânimos. Não deu andamento, por exemplo, pelo menos até a conclusão desta reportagem, a uma série de pedidos da oposição para que o presidente seja investigado pelas declarações do feriado.
Na avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro chegou a chamar o ministro Alexandre de Moraes, relator de investigações que miram o chefe do Executivo, parentes e apoiadores, de canalha e pregou desobediência às decisões do magistrado. O julgamento sobre o modelo de interrogatório de Bolsonaro testará, portanto, a paz entre os Poderes costurada com a ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB). Responsável pela indicação de Moraes ao Supremo, o emedebista chegou a viajar a Brasília para tratar da crise.
O depoimento de Bolsonaro, segundo os investigadores encarregados do caso, é apontado como uma das providências finais da apuração relacionada à cúpula da PF. A definição do Supremo sobre o formato de interrrogatório poderá servir eventualmente em outros inquéritos: o das fake news e o da prevaricação no caso das irregularidades na compra de vacinas contra a Covid-19. Bolsonaro é também investigado nas duas frentes de apuração.
Em outubro de 2020, o STF começou a julgar o caso da PF. Então relator, o ministro Celso de Mello afirmou que não seria admissível a concessão de “privilégios” e “tratamento seletivo” e defendeu que o presidente depusesse presencialmente à polícia. O então decano sustentou que a legislação prevê o direito de ser interrogado por escrito apenas em casos em que a autoridade é testemunha do caso.
Após o voto de Celso de Mello, o presidente da corte, Luiz Fux, suspendeu a análise. Fux quis homenagear o colega e dedicou a sessão exclusivamente ao voto do colega, que se despedia da corte por aposentadoria. No fim de novembro, por meio da AGU (Advocacia-Geral da União), Bolsonaro abriu mão de se justificar pessoalmente sobre a suposta interferência e ainda recusou oficialmente a possibilidade de defesa.
Alexandre de Moraes, que substituiu Celso de Mello na relatoria, negou o pedido do presidente para não depor, afirmando que caberá ao plenário definir como será o interrogatório, se presencial ou por escrito. Em sua decisão, Moraes observou que um investigado tem direito a não produzir provas contra si próprio, permanecendo em silêncio em uma oitiva, se assim desejar. Mas que, jamais, ele pode se recusar a cumprir os procedimentos legais.
“Será o investigado quem escolherá o ‘direito de falar no momento adequado’ ou o ‘direito ao silêncio parcial ou total’, mas não é o investigado que decidirá prévia e genericamente pela possibilidade ou não da realização de atos procedimentais ou processuais durante a investigação criminal ou a instrução processual penal”, escreveu. A investigação foi aberta a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, após acusações de Sergio Moro de que o presidente queria intervir na PF.
Depoimentos e vídeos de uma reunião ministerial reforçaram a denúncia do ex-juiz, que deixou o comando do Ministério da Justiça em abril do ano passado. O foco da investigação, porém, é avançar sobre quais eram os possíveis interesses do presidente em investigações da corporação. Bolsonaro nega interferência, mas tentou forçar a substituição do chefe da corporação no Rio de Janeiro, base eleitoral do presidente e de dois dos seus filhos —o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Segundo o ex-ministro da Justiça, o chefe do Executivo pressionou pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril do ano passado. No pedido de abertura de inquérito, Aras citou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Em relação aos dois últimos tipos penais relacionados pelo procurador-geral da República, o alvo da apuração é o próprio Moro.
O ex-ministro reafirmou as acusações feitas ao pedir demissão do Executivo e detalhou sua relação com Bolsonaro. Sobre a suposta intromissão no trabalho da polícia, Moro revelou que, por mensagem, o presidente cobrou a substituição na Superintendência da PF no Rio de Janeiro. “Moro você tem 27 superintendências [estaduais], eu quero apenas uma, a do Rio”, disse Bolsonaro pelo WhatsApp, segundo transcrição do depoimento de Moro à PF. Além disso, o ex-ministro ressaltou que o chefe do Executivo teria reclamado e demonstrado a intenção de trocar a chefia da corporação em Pernambuco.
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