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ADARY OLIVEIRA- A VOLTA DO OURO BRANCO

Redação - 14/09/2020 08:42

Eu estudava no Rio de Janeiro em 1960, na Escola de Aeronáutica do lendário Campo dos Afonsos,na ocasião em que o presidente Juscelino Kubitschek empreendia a construção de Brasília. Brasília ainda não estava inaugurada quando Juscelino recepcionou o presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower na nova capital. Os meus colegas cariocas que não gostavam nem de ouvir falar que o Rio deixaria de ser a capital federal, diziam: “Vocês estão vendo, o avião do presidente dos Estados Unidos pousou em Brasília e não aqui. É a primeira vez que isso acontece!” Fazendo um paralelo, na semana que se passou o presidente Bolsonaro esteve visitando a Bahia e o avião presidencial pousou em Barreiras, na pista de pouso construída pelos americanos para dar apoio logístico durante a Segunda Guerra Mundial. De lá foi para São Desidério de helicóptero. Muitos baianos ouviram falar em São Desidério pela primeira vez, sem saber que o município é maior produtor de algodão do Brasil. Poderia ter ido também ao distrito de Roda Velha, a 120 km da sede municipal, onde se concentra, dentro do município, as maiores áreas plantadas do ouro branco.

Segundo moradores de São Desidério o povoado de Roda Velha começou a se formar em 1960, na época da construção de Brasília, e chegou a ser visitado pelo presidente Juscelino que costumava ir pescar no Rio Roda Velha que deu o nome ao distrito. Bolsonaro perdeu a oportunidade de ter sido o segundo presidente a visitar Roda Velha. O motivo da visita do presidente foi o da construção de um trecho da Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL) pelo Exército. Como é sabido o que viabiliza a construção da FIOL e do Porto Sul é o escoamento dos minérios da região por onde ela passa, principalmente minério de ferro, pelo peso do material de densidade muitas vezes superior ao do algodão e a dos grãos que estão sendo produzidos no Oeste.

No Brasil, as fibras de poliéster nunca foram consideradas uma ameaça para os fios de algodão, como acontece nos países mais desenvolvidos do mundo. Mesmo com a alta do preço do algodão de agora, que elevou o custo de produção dos tecidos e começou a escassear na indústria de confecção, e a alta do preço do dólar, o algodão está longe de ser ameaçado pelo poliéster ou por outra fibra sintética, apesardo preço baixo do petróleo. O algodão de fibra longa produzido na região tem a maior produtividade de campo do mundo. O ganho dos produtores não é máximo por terem de pagar no transporte rodoviário para os portos do litoral um frete que lhes retira os ganhos dessa vantagem. A construção da FIOL vai corrigir isso.

A riqueza do lugar poderia ser aumentada se fossem ampliadas as instalações que beneficiam o algodão, separando os caroços e branqueando as fibras. Mas, se ao invés de se exportar simplesmente o algodão em plumas fossem instaladas fábricas de fios, tecidos e confecções, aumentando em muito o valor agregado do produto, aí sim, a riqueza de São Desidério seria multiplicada muitas vezes. Um potencial enorme de criação de novos empregos e oportunidade de se encontrar um modelo de manufatura que distribua melhor a renda. E olhe, que mesmo com as pandemias, a população do globo vai continuar crescendo e o algodão cada vez mais vai merecer o nome de ouro branco.

Vale lembrar que a simples posse da matéria prima não significa viabilizar todo o processo industrial. Nos tempos de hoje o mais importante é se ter acesso aos mercados. Daí ser importante a atração de empresas que atuam na ponta da cadeia produtiva para serem parceiras em tal empreendimento. A associação com o poliéster, a indução da moda, a cadeia de distribuição e o apoio governamental são elementos que não podem ser desprezados. Como se pode observar, o desejo de se ver o desenvolvimento econômico e social é tão grande, que nos leva a sonhar. E os sonhos existem para serem realizados. Sem dúvida, tal exemplo de chance de concretização, se soma as vantagens com a exploração mineral viabilizados pela FIOL e imprime com nitidez um novo vetor de desconcentração da atividade econômica indo do mar para o sertão.

Adary Oliveira é engenheiro químico e professor (Dr.) – [email protected]

 

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