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SAMUELITA- JORNALISMO COM DIPLOMA E AS FAKE NEWS: DE QUE SE QUEIXA A CORTE ?

Redação - 17/08/2020 08:56 - Atualizado 17/08/2020
Nesse embate contra as fake news que o Supremo Tribunal Federal tomou ofensivamente para si, na tentativa de punir e brecar as labaredas de ódio que cospem fogo sobre as paredes do seu Palácio, podemos, quem sabe, refletir que o STF esteja provando do amargo veneno elaborado no tubo de ensaio da sua própria corte. Em 2009 os supremos ministros, por 8 votos a 1 – eu disse 8X1, quase unanimidade portanto – decidiram derrubar a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, num ataque não apenas à prática profissional com responsabilidade, mas também ao direito de a sociedade receber informações tecnicamente apuradas, certificadas e mais qualificadas. A controversa decisão, aliás, foi tomada depois de 70 anos de regulamentação da profissão e de 40 anos da criação dos cursos de nível superior de Jornalismo, ignorando por completo a opinião da sociedade brasileira. Pesquisa realizada em setembro de 2008 pelo Instituto Sensus, em todo o país, cravou de forma categórica o que a população queria: 75% dos brasileiros manifestaram-se a favor do diploma de Jornalismo.
Pois bem. De posse dessa informação o que fez o Supremo Tribunal Federal? Exatamente a mesma coisa que o Presidente da República, 20 anos depois, fez em relação aos mortos pela Covid-19: “E daí?”. Classicamente o mesmo desapreço pelo pensamento coletivo da sociedade brasileira. O resultado, para variar, tinha que ser mesmo desastroso. Sem a obrigatoriedade do diploma e com as imensas facilidades criadas pela tecnologia e redes sociais, o Brasil inteiro agora pode virar jornalista. E uma boa parte virou! Com páginas criadas nas mais variadas plataformas, assinadas ou anônimas, com digitais ou sem digitais, assassinando a gramática ou não, um séquito cada vez maior de “blogueiros, ativistas e afins” saem dos seus armários mentais para se autodenominarem jornalistas de plantão, sem nunca na vida terem sequer debruçado o olhar sobre essa área do conhecimento. E é nesse terreno fértil e baldio que crescem e se multiplicam as notícias produzidas sem critérios técnicos, sem certificação, sem o devido senso da imparcialidade e formatadas com o viés ideológico de quem as produz. Mas florescem também no mesmo terreno, as fake news criadas com o propósito de destruir reputações, agredir e confundir leitores, como as que hoje incomodam e tanto preocupam os ministros do Supremo Tribunal.
Seria esse o “neo jornalismo” sem diploma tão pleno de “direitos de pensamento” e de “liberdade de expressão” que o STF defendeu com ardor lá atrás? Em que o jornalismo sem diploma melhorou a qualidade da informação ou ampliou mais democraticamente o acesso aos meios de comunicação? Pelo visto em nada. Só piorou. O que se vê flagrantemente cada vez mais é a concentração da mídia, a precarização da profissão e da própria notícia, colocada sempre em xeque e suspeição até prova em contrário. Mas e daí? Foram esses os argumentos carimbados pelo STF para acabar com o diploma, alegando que limitar o exercício da profissão aos graduados seria cercear a liberdade de expressão, como arguiu o mais fervoroso defensor dos “sem diploma”, o então relator da matéria, ministro Gilmar Mendes. Ainda na visão “suprema” que reforçou a queda do diploma, não há no jornalismo “nenhuma verdade científica”, porque que se trata de um “dom”, uma vocação que “tende para a literatura e para as artes.”
Ora, será que os senhores ministros supremos estão se dando conta agora de que jornalismo não é poesia, nem opinião, embora possa ser opinativo? E que o exercício diplomado da atividade jornalística não fere a liberdade de pensamento porque ela é intrinsecamente garantida pelo estado democrático de direito, independentemente de qualquer profissão que se exerça? É claro que estamos aqui na retórica desses questionamentos porque, em sã consciência, não seremos nós a ensinar macaco a comer banana. Os ministros sabem disso. Assim como sabem a quem interessa um jornalismo sem identidade, disperso, enfraquecido e sem legitimidade. Foi exatamente o que pontuou, à época, o único ministro que votou a favor do diploma – façamos justiça – , o decano Marco Aurélio de Mello: “E agora chegaremos à conclusão de que passaremos a ter jornalistas de gradações diversas, com diploma de nível superior, de nível médio e, quem sabe, até de nível fundamental”. Ponto. Não há meio termos aqui. Embora o diploma não seja a única credencial para o bom jornalismo, é inegável que a qualidade do profissional perpassa pelo aprendizado, pelo conhecimento adquirido e pela qualidade desse saber que vem, sim, do estudo, da academia e da prática.
 
A “arte” de criar mentiras
A previsão de Marco Aurélio vem sendo confirmada, não por falta de aviso. Os estragos que o STF sente na própria pele não se restringem apenas à qualidade, mas principalmente à ética e à responsabilidade com a informação, elementos essenciais para o jornalismo. Comunicar-se bem, ter habilidades literárias, saber escrever um texto com introdução, meio e fim não credencia ninguém a ser jornalista como decretou lá atrás o supremo. O argumento “legal” da liberdade de expressão e de pensamento para se ter acesso ao exercício da profissão aplicado pela corte, incentivou blogueiros ou postadores de redes sociais a se considerarem e até a SEREM considerados jornalistas, mesmo sem qualquer formação acadêmica ou pensamento crítico e elaborado sobre a profissão. Não à toa, nesse mesmo rastro, os inventores de notícias – contratados ou orgânicos -, agressores e intolerantes ideológicos cheios de opinião, encontraram o caldo de cultivo favorável para expandir seus ódios e preconceitos, invocando justamente a “liberdade de expressão”.
E essa máquina do ódio que polarizou o Brasil não é nova, é bom que se diga, e não se limita aos radicais de direita. Tão velha quanto a civilização, a “arte” de criar mentiras políticas subsiste com novas técnicas, velocidade meteórica e alcance assustador, mas está longe de ser prerrogativa de um único viés ideológico. As táticas para detonar adversários e deturpar verdades utilizando aperfeiçoados modus operandi em massa como vemos hoje, tem dois lados e nenhum deles está morto. Extremistas de direita e de esquerda são os propagadores dessa praga no mundo inteiro. E no Brasil não é diferente. Portanto, se quiser de fato combater de forma justa as fake news sem criminalização seletiva e sem olhar para o umbigo dos seus próprios interesses, tanto o Congresso Nacional, através da CPMI instalada e dos debates em torno do Projeto de Lei que institui medidas contra notícias falsas, assim como o STF através do inquérito que validou para investigar radicais bolsonaristas, devem abrir a rodinha e ampliar sem partidarismo o olho central da questão, criando mecanismos e estratégias que alcancem fraudadores de qualquer naipe político, mas sem colocar em risco, aí sim, a liberdade de expressão e do pensamento livre, direito constitucional que o diploma de jornalismo em tempo algum e jamais ameaçou.
Ao contrário disso, que o resgate do diploma de graduação em jornalismo para exercer a profissão seja incluído entre as medidas adotadas para barrar os efeitos catastróficos das fake news  e, dessa forma, os supremos ministros possam aplainar seus questionamentos ao refletir sobre temas divinos como: “De que se queixa o homem? Queixe-se das suas próprias decisões.”

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