O discurso do ministro da economia Paulo Guedes no Fórum Econômico de Davos ganhou notoriedade pela associação entre crescimento econômico e desigualdade de oportunidades. Para Guedes, um dos grandes entraves para a crescimento da economia reside na massa de pessoas excluídas do mercado devido à desigualdade. E mais, a maior parte da desigualdade no Brasil está ligada à desigualdade de oportunidades, especialmente na área de educação. Para entendermos essa associação, precisamos definir o conceito de desigualdade de oportunidades citado pelo ministro. Em poucas palavras, esse enfoque estabelece que parte da renda é determinada por variáveis de esforço, tais como nível educacional, decisão de migrar, horas trabalhadas por ano etc. e; parte por fatores que fogem do controle dos agentes econômicos, variáveis de circunstâncias, ou seja, background familiar (nível educacional e ocupação dos pais), atributos individuais como raça, gênero, idade ou região de nascimento, entre outras.
De fato, estudos relacionados à economia brasileira estimam que a influência dos fatores de circunstância- chamada de desigualdade ruim — respondem por pouco mais de 30% no resultado final do indivíduo. Esse número pode parecer diminuto se considerarmos que os 70% restantes são explicados por fatores de esforço — a desigualdade socialmente justificável — e pela aleatoriedade. Contudo, quando comparado com um conjunto de países, esse percentual coloca o Brasil no topo das desigualdades de oportunidade mundiais. Ademais, postula-se que essa influência pode se tornar mais decisiva em cenários com baixos níveis de renda e educação — i.e., caso se considere as camadas mais pobres da população.
Diantedessecenário, surge umaquestão central: como combater essetipo de desigualdade? O candidato natural seria o investimentoemeducação, em especial aeducaçãobásica, comodestacou Paulo Guedes. Com isso, todososindivíduos — independente de suasorigens — deveriam ser colocados no mesmoponto de partida, independente de suasorigens, e o resultado final seriadeterminadoexclusivamente por seuesforço. Usando a analogia da corrida de 100 metros rasos, a desigualdade de oportunidadesocorreriacasoalgunscorredorespartissem da linhainicial, e outros da linha de 10, 20 ou 30 metros. Equalizar a desigualdade de oportunidades é garantir que todos partem do mesmoponto. Todosestãoalinhados no pontoinicial de partida. O resultado final dependeráapenas do esforço da corrida. Um corolário dessa últimaconclusão é: caso voce estejacorrendoaolado do Usain Bolt, paciência. Elechegaránasuafrente. Devemosaceitar, pois, elepossuimaishabilidade e serámerecedor do resultado. Por essarazãoclassifiquei, no parágrafoinicial, o resultado do esforçocomo a desigualdade boa, isto é, todadesigualdadefruto do esforço individual deve ser comemorada. Ela é o motor de nossaeconomia.
Feitoesse breve relato, voltamos aumaquestão central: A educaçãobrasileiracumpre o papel de redutora da desigualdade de oportunidades? (Ou da mesma forma, a preocupação de Guedes podereverberar no ministério da educaçãogerando, enfim, umapolíticasólida para aeducaçãobrasileiravoltada para a redução dos índices de desigualdade?) Infelizmente, o estado da arteatualnãonospermite responder aessa(s) pergunta(s). A literaturatemdevotadomuito tempo à mensuração do fenômeno e muitopouco (ouquasenenhum) aopapel das políticas de compensação. Em um artigo seminal considerandoumaestruturaeducacionalteórica, o filósofo John Roemer (J. Roemer and B. Unveren, “Dynamic equality of opportunity,” Cowles Foundation discussion paper, 2018), concluiu que, da forma atual, o sistemapúblico de ensino é incapaz de combater essetipo de desigualdade. Um dos principaisentraves é o investimento privado emeducação. Emoutraspalavras, dadaumacondiçãoeconômicamaisfavorável, é possívelobter um padrão de ensinomaiselevado para seusfilhos, por melhor que seja o ensinopúblico.
Diantedisso, há, pelomenos, trêssaídaspossíveis para osformuladores de políticapública: a) não mudar o sistemaeducacional e forçar a todos — ricos e pobres — a estudarapenasemescolaspúblicas; b) melhorar a qualidade do ensinopúblico e; c) criar um sistema de voucherseducacionais para a populaçãopobre. A primeiraalternativafoiincluídaapenascomo um exemplo de políticaautoritária. Não se podeforçarninguém a alterarumadecisão familiar por vontade do governo. Deixemosisso para as ditaduras. A alternativa “b” parece a maissensata, pois, amelhoria da educação se encaixa no discurso de qualquer político. Nesseaspecto, poderíamosobservarmais de pertoquaisforam as açõestomadas no município de Sobral, Ceará. Houve, de fato, um choque de gestão? Elepode ser reproduzido com sucesso no resto dopaís? Essasperguntassãoessenciais para a tomada de decisão “b”, pois, a simples reprodução do sistemaeducacionalatualseria um grandedesperdício de dinheiro do contribuinte.
Por fim, a alternativa “c”, ainda impopular, soa como a mais sensata. De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o Brasil gasta cerca de 6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com educação. Esse percentual é superior a Argentina, Colombia, Chile e Estados Unidos. Porém, o desempenho escolar de nossos alunos está muito abaixo do observado nesses países. A razão para isso tem nome e sobrenome: ineficiência dos gastos governamentais. Diante disso, por que não alocar as nossas crianças em escolas particulares com um custo, muitas vezes, inferior ao custo per capita atual? Por que não, ao mesmo tempo, criar algumas escolas públicas de referência, dando autonomia curricular e administrativa? Os melhores alunos alocados em escolas de referência e os demais no sistema privado. Todos sob o mesmosistema de avaliação de desempenho e monitoradospelosórgãos (agencias) governamentais. Issonão é um devaneio. Um relatóriorecente da Organização para a Cooperação e o DesenvolvimentoEconômico (OCDE) apontanadireção das conclusõesdesteartigo (vejamaqui: http://www.oecd.org/education/School-choice-and-school-vouchers-an-OECD-perspective.pdf).
Como podemosnotar, as transformaçõeseducacionaispassam por um longoperíodo de mudanças de direção e de atitude. O debate precisaser iniciado, pois, atéentão, osinvestimentospúblicosnãomostraramresultados que osjustificassem.