Armando Avena, com criatividade, produz um trabalho instigante “Luiza Mahin e o Estado Islâmico no Brasil” ( São Paulo: Geração Editorial, 2019). O autor tem como base para o seu livro a apropriação literal da historiografia da revolta, inclusive na maioria dos personagens. E será a partir dela que Avena construirá a estória de sua heroína, a Princesa Luiza Mahin, futura Rainha da rebelião vitoriosa. Uma estória de luta contra a escravidão e amor, da lascívia das mulheres brancas sem liberdade e traição de mulheres negras, das lutas pelo poder patriarcal e das relações inter e intra-raciais, enfim, um livro que seduz o leitor do princípio ao fim.
Perspicaz e ardiloso, o autor traz para o proscênio da rebelião dos Malês, a Princesa Luiza Mahin, em dois aspectos fundamentais: primeiro, a Princesa é a responsável pela união dos africanos, desunidos pela religião em sua terra de origem. E, demonstra, através de Aprígio, a sua não-aceitação pelos muçulmanos como Rainha, após a libertação. Afinal, ajuntar-se com escravos já era uma grande concessão para o Islã, mas ser dominado por uma mulher, seria descabido para os seguidores do Profeta. E essa questão se prolonga até o final do livro. Segundo, dela sai a proposição, desenvolvida na revolta, que não seriam mortos brancos civis, apenas os militares e em postos de comando envolvidos na luta. E ela prova isso, apoiada pela maioria dos revoltosos, ao salvar a filha do traficante de escravos de morrer nas mãos de Aprígio.
Armando Avena, antenado com a contemporaneidade dos estudos de gênero, pode se arriscar na narrativa dos amores de Luiza Mahin, ao contrário de Jorge Amado, muito criticado pela sensualidade e sexualidade dos seus personagens. Hoje, como sabemos o corpo é também político, como vemos na “marcha das vadias”, apoiada pelo feminismo branco e negro. A Princesa é o símbolo da luta coletiva da mulher negra pela liberdade, mas não só. Ela, não abdica, mesmo diante da escravidão a sua liberdade pessoal, ao uso do seu corpo, rompendo os grilhões do patriarcalismo e machismo branco ou negro. Por isso parodiando Miriam Goldberg, no título do livro sobre Leila Diniz, eu digo que “toda mulher negra é um pouco Luiza Mahin”: guerreira, livre, sem concessões, agente do seu próprio destino.
O autor, com simplicidade e talento, constrói uma singular heroína, não apenas do povo negro, mas de todo povo brasileiro.
Jeferson Bacelar
Pesquisador do CEAO da UFBA
Professor do Pós- Afro da UFBA
Publicado originalmente no jornal A Tarde