É inacreditável, mas o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, José Antonio Dias Toffoli – o mesmo que deu o controverso voto de minerva que derrubou a prisão de condenados em segunda instância e que acabou escancarando as portas da prisão para Lula – abriu o “santo verbo” na entrevista que deu ao Estadão na última segunda-feira,16, para acusar a Lava Jato de “quebrar empresas” e o MInistério Público de não ser transparente. Uma narrativa, por sinal, bem afinada com os mantras entoados pelos grupos defensores do Lula Livre e dos depreciadores da Lava Jato, força-tarefa de combate à corrupção responsável por colocar atrás das grades corruptos poderosos instalados no poder e nas grandes corporações contratadas para prestarem serviços ao governo.
As declarações do ministro parecem um ponto fora da curva na competência primordial da suprema corte, a mais alta instância do poder judiciário brasileiro, que é a de ser guardiã da Constituição Federal, impedindo a mesma de ser lesada ou ameaçada. Afinal, são declarações que levam a crer que empresas corruptas não podem ser combatidas. Ao contrário, é preciso deixá-las atuar livremente, a despeito da corrupção, porque movimentam a economia e geram empregos. Essa seria a interpretação?
O raciocínio do ministro Dias Toffoli nos leva a culpar a Lava Jato por investigar e combater a corrupção de empresas que alimentavam bandidos e engenhosos esquemas de fraude e corrupção. Nesse caso então seria prudente deixar a corrupção quieta, cumprindo sua missão de lesar a pátria, sem tocar nas empresas envolvidas com propinas e práticas ilícitas, a fim de que não sejam atingidas ou prejudicadas em suas atividades. Resta saber a opinião do ministro Toffoli sobre a nefasta crise econômica que assolou o país em meados de 2014, durante o governo Dilma, e quais associações ele faz sobre os sistêmicos esquemas de desvio do dinheiro público montado com tanta maestria e avidez nos últimos governos. Ou será que o ministro minimizaria o escandaloso esquema chamado Petrolão que arrasou uma das mais promissoras estatais do país, levando-a praticamente à bancarrota?
Há poucos dias o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, declarou que as perdas estimadas em R$ 6,2 bilhões da Petrobras com a corrupção detectada pela Lava Jato, estão subestimadas. Elas foram bem maiores levando-se em conta os atos de gestão equivocados cometidos com o propósito de ampliar ainda mais o universo da corrupção. Por isso antes de acusar a Lava Jato de quebrar empresas, Toffoli deveria ESTUDAR os resultados gerados pela força-tarefa que além de tirar de cena, prender e reduzir a atuação de bandidos de colarinho branco que minavam a economia do país, trouxe de volta aos cofres públicos, através de acordos de leniência, nada menos que R$ 14 bilhões. Um resgate bastante considerável e inédito na história do país. E mais: através da Lava Jato a Petrobras recuperou cerca de R$ 4,2 bilhões que haviam sido desviados pela corrupção. Desse valor, R$ 720 milhões entraram de volta aos cofres da estatal nesse ano de 2019.
Não há como não concordar, diante disso, com o procurador e coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, quando considera “irresponsáveis” as declarações de Toffoli afirmando que a Lava Jato “destruiu empresas”. ” São declarações que podem ser comparadas a fechar os olhos para a raiz do problema, para a prática de uma corrupção político partidária sanguessuga, que drena a vida dos brasileiros”, escreveu em seu twitter. E fez outros paralelos: “É culpar pelo homicídio o policial porque ele descobriu o corpo da vítima, negligenciando o criminoso. Os responsáveis são os criminosos. A Lava Jato aplicou a Lei”. Desenhou. Um desenho bem feito para o ministro Toffoli contemplar!
“O combate à corrupção não se deve ao STF. Ocorre apesar do STF”
O repúdio à fala de Toffoli despontou de vários setores jurídicos do país. Procuradores da República indignaram-se e não pouparam o presidente do STF. O procurador Roberson Pozzobon foi contundente: ” Respeitosamente, Ministro Toffoli, a Lava Jato não “destruiu” empresa nenhuma. Descobriu graves ilícitos praticados por empresas e as responsabilizou, nos termos da lei. A outra opção seria não investigar ou não responsabilizar. Isso a Lava Jato não fez.” Dúvidas? Vale ainda citar a manifestação de outros dois jurídicos: o procurador Wesley Miranda Alves disse bem claramente que o STF de hoje não representa a magistratura nacional. “O atual e crescente combate à corrupção não se deve ao STF. Ocorre apesar do STF”, bateu sem meias palavras. O procurador Ailton Benedito foi direto na jugular: “Quem destruiu empresas foram os corruptos que as utilizaram como instrumento para tomar o Brasil de assalto”.
O presidente do Supremo deveria refletir longamente sobre essas falas sorvendo seu fumegante café ou, se preferir, seu uísque 24 anos. Mas a gente sabe que com café ou uísque, a depender do cenário, tais reflexões nem sempre resultarão em posicionamentos justos e coerentes. Os interesses que rodeiam o poder, seus tentáculos e ramificações, estão bem longe de pingar o ponto final na história da corrupção brasileira. Ela vem de longe, é histórica e se tornou sistêmica, institucionalizada e assombrosamente voraz.
Ao invés de desestimular operações de combate à corrupção como a Lava Jato, o supremo poder judiciário – como de resto toda a sociedade brasileira -, deveria apoiar a ideia do presidente da Petrobras em classificar de hediondo o crime de corrupção, com punição rigorosa incluindo privação de liberdade e penas pecuniárias elevadas. Castello Branco tem absoluta razão quando reflete que pelos danos causados ao povo brasileiro e à economia do país os casos de corrupção não devem ser esquecidos, minimizados, nem subestimados. ” A corrupção gera distorção na alocação de recursos e na redistribuição de renda em benefício dos criminosos. Deixa um legado negativo para a próxima geração, corroendo as bases de uma sociedade saudável”. Portanto ministro, quem destrói não é o combate à corrupção. É a pratica dela e o reforço apoteótico à impunidade, como bem carimbou o STF recentemente ao mudar de posicionamento sobre a prisão em segunda instância, livrando milhares de condenados da cadeia. #FicaaDica
Samuelita Santana
Jornalista
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