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RUI COSTA – GOVERNADOR DA BAHIA

admin - 10/12/2018 11:43

Valor: No fim da campanha, o então candidato Jair Bolsonaro disse que iria banir “esses marginais vermelhos” da nossa pátria. A Bahia deu 60% dos votos para o candidato do PT, Fernando Haddad. Vai ser difícil a relação do Estado com o governo federal?

Rui Costa: Eu espero que isso tenha sido apenas a retórica da campanha. Na posse, no dia 1º, ele vai jurar respeito à Constituição brasileira, que é clara ao dizer que vivemos em uma federação, e que Estados e municípios devem ser tratados de forma equânime e respeitosa. É isso que eu espero: um tratamento respeitoso, até porque os 15 milhões de baianos também são 15 milhões de brasileiros. Quando as pessoas chegam ao cargo de presidente ou governador, são chamadas pela sua consciência a ter grandeza, e não ficar governando com mesquinharia.

Valor: O senhor já tem audiência marcada com ele?

Rui: Nós formalizamos um documento [carta dos governadores do Nordeste] com um pleito de audiência, sem nenhum tom de cobrança, para ele marcar na melhor oportunidade de data, até porque ele está fazendo a transição, num período de intensas reuniões. Quando tomar posse, ele deve oficialmente chamar a gente. Tanto Dilma [Rousseff, ex-presidente] quanto o [presidente Michel] Temer reuniram os governadores do Nordeste, porque temos pautas específicas da região. Queremos discutir juntos porque isso poupa a agenda dele, ao invés de, seguidamente, nove governadores falarem do mesmo assunto.

Valor: O senhor conduz uma obra de grande porte na Bahia que é a ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), para o transporte de grãos e minério-de-ferro, e tem a China como potencial parceiro. Acha que as declarações de Bolsonaro contra a China podem impactar as negociações?

Rui: A obra até agora vem sendo feita com o orçamento da União [pela estatal Valec], sendo tocada em pequenos trechos, mas em um deles, cerca de 70% já foi executado [de Ilhéus a Caetité]. A ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres] e o TCU [Tribunal de Contas da União] estão trabalhando juntos [no edital do leilão, previsto para dezembro]. Tem vários concorrentes, inclusive os chineses. Uma vez sentando na cadeira de presidente, ou de governador, você deve deixar as ideologias de lado e cuidar de gerar emprego e desenvolvimento. O Brasil não pode se dar ao luxo de descartar investidores internacionais porque não gosta desse país ou daquele. Temos que cativar investidores.

Valor: Atribui-se a vitória de Jair Bolsonaro, em grande parte, ao antipetismo que teria contaminado os brasileiros, ante as denúncias de corrupção nos governos petistas. O governo errou em não fazer uma aliança para apoiar Ciro Gomes, do PDT?

Rui: Não foi o antipetismo que venceu a eleição, foi a antipolítica, a rejeição ao establishment. O povo votou contra os políticos que representavam a política tradicional, contra esse modelo de alianças do toma-lá-dá-cá. Foi esse o recado. Quem por interesse político-partidário quiser fazer a leitura de que foi antipetismo, que faça. O Ciro [Gomes] bateu no PT, o [Geraldo] Alckmin bateu forte no PT a campanha inteira. Se alguém queria votar contra o PT, votaria no Alckmin, governador de São Paulo, com experiência de gestão.

Valor: Então o senhor acha que o PT não saiu derrotado da eleição?

Rui: O Alckmin foi governador quatro vezes, e perdeu feio no Estado dele. Quem foi o grande derrotado em São Paulo: o PT ou o Alckmin? Quem tinha força eleitoral? Se eu perdesse na Bahia, o derrotado seria o PT, porque eu era o governador. Ao perder de forma tão fragorosa, o grande derrotado em São Paulo foi o PSDB.

Valor: Mas Bolsonaro é deputado há 27 anos, como o senhor acha que ele conseguiu se apresentar aos eleitores como “o novo”?

Rui: Aí só procurando um cientista político, um sociólogo, um psicólogo para explicar como ele conseguiu passar essa imagem. Mas conseguiu, mérito dele. Apesar de ser deputado há 27 anos, de ter participado de todas as votações, de todas as negociações na Câmara, ele conseguiu por alguma fórmula passar a imagem de que ele era o novo, e que não fazia parte dessa política tradicional. Ele encontrou uma fórmula de encantar e convencer os eleitores que ele era diferente de tudo isso que está aí.

Valor: E que lição o PT tira dessas eleições?

Rui: Não só o PT, mas os políticos precisam tirar uma lição. Primeiro de tudo, precisam estar mais próximos do povo, ser menos distantes da população.

Valor: O senhor acha que o PT se distanciou da população?

Rui: Não tenho dúvida disso. Mas, veja: assim como toda instituição, o PT é composto de gente. E as pessoas têm comportamentos diferentes. Então em muitos lugares, ou nacionalmente, a gente se distanciou. Tanto se distanciou que perdeu a eleição. A segunda lição é de que não podemos ficar reproduzindo acordos políticos que o povo não enxergue como benéficos à sociedade. Acho que é preciso cuidar de temas muito valorosos, como saúde, educação e segurança.

Valor: Como o PT pode reverter esse quadro para se reconectar com a população?

Rui: Os partidos todos têm que repensar sua forma de atuação, talvez seja o momento até de se formar novos partidos, com novas práticas políticas, defendendo novas questões, mais próximas ao interesse da população. De forma mais sincera, mais verdadeira, olho no olho das pessoas. É o que o povo quer.

Valor: O senhor afirma que não foi o antipetismo que derrotou o PT nas urnas, mas esse sentimento não motivou uma parcela dos eleitores?

Rui: Esse processo todo mostrou que no PT tinha gente também que estava fazendo coisa errada, mas como ocorre em todos os partidos, sem exceção. Não é filiação partidária que define o comportamento das pessoas. Eu acho é que precisamos juntar os homens e as mulheres de bem, que têm bons propósitos na política, para construir uma nova agenda para o Brasil, para que ele se pareça com os principais países do mundo.

Valor: Para esse modelo se viabilizar, se for o caso em 2022, o PT pode apoiar um candidato a presidente de outra sigla?

Rui: Já defendi essa possibilidade nesta eleição. Eu e Wagner [o senador eleito pela Bahia, Jaques Wagner], além de outras pessoas do PT, defendemos essa possibilidade já neste ano. Na política, se você quer o apoio de alguém, tem que admitir a possibilidade de apoiar outra pessoa. Se você acha que só pode receber apoio, nunca apoiar, isso não é uma boa prática política. Se acha que só você presta, e ninguém mais, por que vai querer o apoio de quem não presta?

Valor: Mas como essas alianças se processariam?

Rui: Nossa missão é juntar todos aqueles, independentemente se estão no PT, no PCdoB, no PSB, no PSDB, no PP: onde tenha gente que queira construir uma nova prática política, feita com seriedade, verdade, e honestidade, acho que essas pessoas são nossas aliadas para construir o Brasil. A gente não pode fazer cerco ideológico a partido, o critério não é esse, e o povo já disse na eleição que não aceita mais esse comportamento.

Valor: Como é o ajuste fiscal que o senhor está promovendo no Estado?

Rui: Vamos extinguir 1.500 cargos comissionados, e deixar mais clara a Constituição Estadual para fixar o teto salarial do Executivo. A redação era dúbia, e agora será igual à da Constituição Federal: ninguém vai poder ganhar acima do salário do governador [R$ 22 mil]. Eu fiz um ajuste antes de assumir o primeiro mandato: fechei três empresas, extingui dois mil cargos, e criei a previdência complementar dos novos servidores. A Bahia foi o primeiro Estado do Nordeste a criar a previdência complementar. Agora estamos dando continuidade: a cada período temos que ter um novo olhar sobre a máquina pública, reduzir, reorganizar para atravessarmos eventual crise pelos próximos quatro anos.

Valor: Já é a segunda parte da reforma da Previdência?

Rui: Na verdade, a previdência complementar criada em 2014 só vale para os novos servidores. Com ela, eles se aposentam com até R$ 5,6 mil, que é o teto do INSS. Mas a Bahia tem o mesmo problema dos outros Estados, de desequilíbrio estrutural. Quando entrei no governo, o déficit da previdência era de R$ 2 bilhões, agora em dezembro fechamos em R$ 4 bilhões. Uma forma de financiar isso é elevar a alíquota de contribuição de 12% para 14%, dez Estados já fizeram isso. Mas isso financia uma parte, vai propiciar cerca de R$ 260 milhões. Para cobrir o grande déficit não tem medida mágica, são várias ações juntas que vão ajudar a diminuir a dívida.

Valor: E no plano nacional?

Rui: Tem dois tipos de previdências: a pública, que precisa de reformas porque traz condições que trabalhadores em geral não têm. A outra é a aposentadoria rural, que não tem conceito previdenciário, tem caráter social. Uma coisa é quem se aposenta com 50 anos, que não trabalho debaixo de sol quente, que tem expectativa de vida de 80 anos, outra coisa é uma velhinha trabalhadora rural, que tem uma expectativa de vida menor, as mãos calejadas, o rosto rachado, se vai abandonar as pessoas a própria sorte. Isso não é cálculo matemático. Tem que separar as duas.

Valor: Mas uma reforma pelo menos no setor público tem que ser feita?

Rui: Eu acho que sim, para igualar condições de aposentadoria no país. Sou a favor de que caminhem para ser iguais quem é servidor público e trabalhador geral. Até porque quem paga o meu salário de governador é a população. Quem é servidor não pode ter condições muito privilegiadas em relação à maioria da população.

Valor: O PT deve apoiar uma reforma nesses moldes?

Rui: Eu não falo em nome do PT, falo em meu nome, até porque eu fiz uma reforma assim, quando criei a previdência complementar.

Valor: Não tem receio de que essa reforma contamine sua popularidade?

Rui: Não, até porque a reforma que eu fiz em 2014 [com Jaques Wagner, após a eleição] foi maior e mais forte. Eu não teria sido reeleito com 75% dos votos se isso tivesse afetado [a popularidade]. As pessoas querem saber da verdade, estão cansadas da política feita com demagogia. Eu ando nas ruas com tranquilidade, encontro pessoas aposentadas, e às vezes me dizem que estão sem reajuste. Eu digo que estou fazendo de tudo para não atrasar um dia sequer o seu salário e para garantir que receba a aposentadoria. Acho que quando você demonstra sinceridade, é verdade, as pessoas podem não gostar; todo mundo só gosta de notícia boa. Mas elas compreendem.

Valor: A Bahia vai sofrer com o efeito cascata do reajuste da remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal?

Rui: No Executivo, eu tenho como evitar, com a aprovação dessa emenda constitucional que fixa o teto do funcionalismo. Nos outros poderes, não tem como. Se o Brasil é uma federação, por que a Justiça estadual tem de estar atrelada – salários, inclusive, – à Justiça Federal? O funcionalismo federal não deveria ter influência no estadual. Todo ano precisa de suplementação orçamentária para pagar a folha do Judiciário.

Valor: O senhor voltou de um périplo internacional, passando por Portugal e Israel. Trouxe novos investimentos?

Rui: Fomos buscar parcerias em Israel na área de segurança pública, eles têm tecnologia na área de monitoramento. Queremos fazer parcerias com o setor privado. Vamos começar agora um projeto piloto de monitoramento de câmera, faremos reconhecimento facial, inclusive nas estações de metrô, no aeroporto, nos estádios de futebol, e também reconhecimento de placas de carro. Depois de Salvador, vamos fazer licitação ou PPPs pra ampliar para todo o Estado.

Valor: Israel se tornou referência no combate à seca, tem algum projeto para o semiárido?

Rui: A escassez de água deles é semelhante à do semiárido, tem regiões deles que chove menos. No Nordeste chove 700 mm por ao, lá tem lugares que chove 400 mm. Eles têm tecnologia de reuso de água para o consumo, para irrigação, e de dessalinização. Boa parte da água que eles usam é do mar. Temos barragens aqui em que hoje a água está salinizada.

Valor: A segurança pública era uma das bandeiras de Bolsonaro, ao lado do combate à corrupção. Acha que os partidos não deram atenção necessária à segurança pública na campanha?

Rui: Eu acho que nem os partidos nem os governos federais trataram com a devida atenção esse tema, e tenho receio de que o próximo governo também não trate. O Brasil virou o segundo ou o terceiro maior consumidor de drogas do mundo: isso não é qualquer dado, é uma epidemia.

Publicada no jornal Valor Econômico em 10/12/2018

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