segunda, 27 de outubro de 2025
Euro Dólar

WALDECK ORNÉLAS  – CADÊ A AVIAÇÃO REGIONAL?

Redação - 27/10/2025 05:00

País continental, o Brasil briga com a realidade e não conta com uma política de transporte aéreo compatível com o tamanho do seu território e a estrutura de sua rede urbana. O que assistimos são as grandes empresas – hoje em número de três, frequentemente em crise – controlando o transporte aéreo de passageiros e insistindo no equívoco de atender com exclusividade ao país apenas com equipamentos de grande capacidade.

Somente uma das grandes empresas opera equipamentos de menor capacidade, ainda assim de grande porte para corresponder à demanda das cidades médias. O resultado é que boa parte do território fica sem o serviço de transporte aéreo, com prejuízos para a economia nacional.

O Brasil tinha, em meados do século passado, mais de 350 destinos atendidos por voos comerciais regulares, que hoje são apenas cerca de 150, número que varia, para cima e para baixo, conforme a sazonalidade e os soluços da economia.

Com 5.570 municípios, o país tem apenas 319 com mais de 100 mil habitantes cada, vários deles integrantes de regiões metropolitanos ou aglomerações urbanas. Este seria um número, por assim dizer, bastante razoável para contarem com transporte aéreo regular, embora algumas cidades de menor porte também devam dispor do serviço, haja vista as distâncias em relação aos grandes centros.

Mas é inviável atender a um maior número de cidades com aviões de grande capacidade. O uso de equipamentos um pouco menores permitiria, certamente, ampliar o número de destinos atualmente atendidos com regularidade, chegando talvez a duas centenas, e isto poderia ocorrer com a utilização de equipamentos da Embraer. Contudo, apenas uma das grandes empresas – a Azul – opera com equipamentos de fabricação nacional. Anuncia-se, agora, que a Latam também passará a utilizá-los, ante a irregularidade nas entregas pela Boeing e Airbus.

Somente a existência de uma aviação regional estruturada poderia suprir esta carência, como tal entendido o serviço prestado com aeronaves de até 19 passageiros, como adotado internacionalmente.

Em 1975, o Brasil criou o Sistema Integrado Brasileiro de Transporte Aéreo Regional, dividido pelas cinco macrorregiões do país, tendo sido criado igual número de empresas aéreas regionais (feeder airline), destinadas a cobrir o território e a operarem integradas com as grandes companhias aéreas de então. Era a época dos Bandeirantes da Embraer. Essas empresas foram depois absorvidas pelas grandes e a política pública não se manteve. O resultado é que o país voltou a ficar sem o serviço. E a própria Embraer deixou de produzir aeronaves desse porte.

Em 2020, o programa Voo Simples teve por objetivo promover a desregulamentação do setor, removendo alguns obstáculos, mas foi insuficiente para virar a chave do transporte aéreo regional.

Ao invés de um planejamento adequado e integrado da malha aérea e dos aeroportos, fica-se a inventar soluções mágicas, a exemplo do Voa Brasil – passagens a baixo custo para a população de baixa renda, que não deslanchou – ou o AmpliAR – em que as concessionárias das grandes cidades agregariam terminais aéreos deficitários, sendo compensadas com o reequilíbrio econômico dos seus contratos.

São falsas soluções porque não enfrentam a questão real, que é a indispensável estruturação da aviação regional, para permitir a oferta de transporte aéreo regular em cidades médias.

Desta forma,  não adianta o governo federal ter um programa para implantação ou requalificação de 200 aeroportos regionais, se esta iniciativa não se faz acompanhar de medidas que viabilizem o serviço de transporte aéreo regional.

Um equipamento se compõe da infraestrutura mais o serviço correspondente. No Brasil, costumamos ser tão bons realizadores de obras quanto maus prestadores de serviços!

Convive-se, ademais, com um serviço aéreo que cobra tarifas muito elevadas em relação à capacidade de consumo da população. Um dos itens que contribui para isto, além da tributação do combustível, é certamente o uso inadequado dos equipamentos de grande capacidade vis-à-vis a distribuição territorial da rede urbana e o porte das cidades. E, naturalmente, a falta de competição.

Neste sentido, visando atender melhor aos brasileiros, seria de todo necessário adotar uma política de “abertura dos céus”, facultando às empresas estrangeiras que nos atendem, com voos charter ou regulares, fazer uma perna em território nacional. Além de ampliar a competição, isto traria vantagens especialmente para o turismo internacional, onde estamos há décadas estagnados na faixa de pouco mais de seis milhões anuais de visitantes. País com atrativos diversificados, em regiões distintas e a grandes distâncias, o Brasil veria crescer, rápida e significativamente, o número de turistas estrangeiros.

Na Bahia, observa-se que o crescimento do número de voos internacionais tem apresentado grande efeito multiplicador em relação aos regionais, principalmente para as praias do Baixo Sul. Aliás, hoje o Brasil tem apenas uma única empresa de aviação regional – a baiana Abaeté, que resiste heroicamente em um ambiente de negócios que lhe é hostil.

É fundamental e urgente reestruturar o serviço de transporte aéreo nacional, com foco na aviação regional, como parte de uma política nacional de desenvolvimento.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

Copyright © 2023 Bahia Economica - Todos os direitos reservados.