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WALDECK ORNÉLAS – A DESINTEGRAÇÃO FERROVIÁRIA DO NORDESTE

Redação - 21/07/2025 05:00

Era uma vez… O Nordeste tinha uma malha ferroviária interligada e os estados nordestinos se reuniam mensalmente no Conselho Deliberativo da Sudene para discutir e articular os rumos da Região.

Esse encontro, praticamente obrigatório e religioso, era tão importante que até os pré-candidatos à presidência da República o utilizavam como púlpito para suas pregações. Lembro-me de ter assistido, em reuniões distintas, Mário Andreazza e Tancredo Neves apresentando as suas plataformas para a Região, um prevalecendo-se da condição de ministro do Interior, presidente do Conselho, outro, da condição de governador de Minas Gerais, estado que, pela cunha do Semiárido, tinha assento no plenário.

Na segunda metade do século passado, o Nordeste era unido e constava da agenda nacional. Éramos felizes e não sabíamos.

Com o esvaziamento da Sudene, o Nordeste perdeu protagonismo. Paradoxalmente, em fase recente, o Sul e o Sudeste – justamente as regiões mais desenvolvidas do país – organizaram-se em torno de um Conselho de Governadores, estruturando as suas agendas para defender interesses comuns. Em relação ao Nordeste, o que se vêhoje em dia é cada estado atuando isoladamente, por interesses locais, e a região desarticulada.

O setor ferroviário é bem uma amostra do mal a que esta situação conduz. Bem ou mal, tínhamos uma rede integrada, ainda que precária, razão pela qual foi concedida à iniciativa privada, como toda a malha ferroviária nacional.

A Malha Nordeste, com uma extensão de 4.238 km, foi concedida à Ferrovia Transnordestina Logística (FTL), encontrando-se atualmente  restrita, do ponto de vista operacional, aos 1.207 km que ligam o Porto de Itaqui, no Maranhão, ao Porto de Pecém, no Ceará, passando por Teresina, capital do Piauí.

Paralelamente, surgiu, sob o mesmo concessionário, a Transnordestina Logística S.A, um projeto ferroviário que vem sendo substancialmente apoiado por recursos do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste, gerido pela insepulta Sudene. Com traçado de Eliseu Martins (PI) até Salgueiro (PE) e daí aos portos de Pecém e de Suape (PE), acabou por abandonar a ligação até Suape e, mesmoassim, até hoje não entrou em operação.

O abandono do trecho Salgueiro-Suape fez com que as lideranças pernambucanas se unissem na defesa desse segmento do projeto, arrancando do governo federal a promessa de realizá-lo com recursos públicos. Um belo exemplo da capacidade de mobilização, mas, como é agora, de alcance apenas estadual.

Por sua vez, a antiga SR-7 da extinta Rede Ferroviária Federal, que servia à Bahia, com linhas até Propriá (SE), na divisa entre Sergipe e Alagoas, e a Juazeiro-Petrolina (PE), foi então (anos 1990) integrada a outras superintendências que serviam ao Sudeste, permitindo chegar aos portos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e, por conexão, até Santos, em São Paulo, tendo sido concedida à Ferrovia Centro Atlântica (FCA), que abandonou a malha baiana à própria sorte.

Hoje, em busca da renovação antecipada de sua concessão, que vence em agosto do próximo ano, a FCA reluta em manter os trechos baianos e suas ligações comPernambuco, Sergipe e Alagoas, daí a todo o Nordeste. A decisão está ainda por ser tomada pelo governo federal.

Paralelamente, nasceu o projeto da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), destinada a interligar o Oeste baiano– importante polo produtor de grãos e origem do Matopiba– a um novo porto a ser construído no litoral baiano, em Aritaguá, município de Ilhéus.

Numa perspectiva nacional de grande importância estratégica, prevaleceu recentemente a proposta de integrar a FIOL com a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO), dando origem a um novo corredor denominado Leste-Oeste, destinado a viabilizar o escoamento dos grãos não apenas do Oeste baiano, mas também de Goiás e do Mato Grosso. Por sua importância, o Corredor Leste-Oeste pode vir a constituir-se na base da ligação bioceânica – do Atlântico ao Pacífico – o que tem atraído o interesse da China, em face do porto de Chancay, no Peru.

Tanto a Transnordestina como a FIOL são projetos greenfield, em bitola larga, desvinculados ambos da antiga e velha malha ferroviária do Nordeste que, assim, vai ficando relegada. Será que não serve mais à região?

Concluídas ambas, o Nordeste ficará desintegrado também sob o ponto de vista ferroviário e a maioria de suas capitais – onde se concentram a população e a produção industrial – desconectadas do novo sistema ferroviário nacional. Faz falta um Plano Ferroviário para o Nordeste.

Ante a inércia das lideranças e à vista de todos, consolida-se, assim, a desintegração [ferroviária] do Nordeste.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

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