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WALDECK ORNÉLAS – A VOLTA DA NAVEGAÇÃO NO SÃO FRANCISCO

Redação - 23/06/2025 05:00

O São Francisco, outrora conhecido como rio da unidade nacional – pela importância e relevância que teve no processo de colonização do país, – terminou esquecido e abandonado como via de transporte, papel que por longo tempo exerceu com grande eficiência e significânciaeconômica e social. Era, então, praticamente a única alternativa de comunicação existente entre as várias comunidades ribeirinhas. Sucumbiu ao rodoviarismo, ideologia do setor de transportes que predominou a partir de meados do século passado.

Agora, felizmente, o Ministério dos Portos e Aeroportosanuncia a inclusão da hidrovia do São Francisco no seu programa de trabalho. A estimativa é que transporte cincomilhões de toneladas entre o Nordeste e o Centro-Sul do país no primeiro ano de operação.

Segundo o ministro, ainda este mês será assinada a delegação à Companhia Docas do Estado da Bahia – Codeba (a cuja jurisdição já esteve vinculada, sem sucesso), e serão iniciados os estudos técnicos, em conjunto com a Infra, também empresa do governo federal. A licitação para concessão da hidrovia deve ser aberta em até um ano, prevê o ministro.

O conceito do projeto apresentado está correto, começando pelo trecho de 604 km, que liga Juazeiro (BA)Petrolina (PE) a Ibotirama (BA), onde se encontra com a BR-242, importante rodovia federal que atravessa a Bahia horizontalmente, interligando o Oeste baiano aos portos da Baía de Todos os Santos, sendo hoje um importante corredor de exportação de grãos. À altura de Ibotirama já existe, na margem esquerda do rio, um estratégico terminal de embarque, que operou com milho – para abastecer aos produtores de ovos do Nordeste – soja e algodão.

Trata-se de uma hidrovia de baixo custo de implantação. Nesse trecho, o maior investimento de toda a hidrovia já está pronto desde 1979: é a eclusa de Sobradinho, vencendo um desnível de 32,5m. Permite a eclusagem de embarcações de 110m x 16m e calado de 3,5m (câmara de 120m x 17m), com um volume limite de capacidade de 14 milhões de t/ano. Ao longo do imenso Lago de Sobradinho os trabalhos se resumem a simples balizamento e sinalização.

A segunda etapa, com 172km, alcançará Bom Jesus da Lapa, ainda na Bahia, onde deverá ter uma importante conexão com a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), já estando aí construída a maior ponte ferroviária da América Latina, entre os municípios de Serra do Ramalho e Bom Jesus da Lapa, com 2.900m de extensão evão central de 50m de altura. O médio São Francisco se oferece hoje ao desenvolvimento de um importante polo agrosucoalcooleiro, que é inibido justamente pela dificuldade de transporte.  

Na terceira fase, com mais 670km, chegará a Pirapora (MG), onde se interliga com todo o sistema de transportes do Centro-Sul do país. Apenas dragagem e a remoção de pequenos pedrais envolvem a implantação da hidrovia ao longo de todo o seu percurso.

Nos meus tempos de Senado dediquei boa parte do meu mandato a chamar atenção para (i) a importância do desenvolvimento da bacia hidrográfica do rio São Francisco, e (ii) a necessidade de revitalização do rio, tendo relatado duas comissões especiais, ambas por mim propostas, dedicadas à discussão do tema. Não é, contudo, perfil do Parlamento brasileiro cuidar de temas do desenvolvimento.

Em uma dimensão ou em outra, sobressai a importância da hidrovia do rio São Francisco como elemento-chave para o desenvolvimento de vasta porção do território nacional, beneficiando diretamente os estados de Pernambuco, Bahia e Minas Gerais e, indiretamente, toda a economia nacional.

Navegável desde o importante polo de fruticultura irrigada de JuazeiroPetrolina, no trecho submédio do rio, até Pirapora, a hidrovia tem, hoje como ontem, enorme potencial econômico. Integra-se a inúmeras rodovias e à antiga Linha Centro da malha ferroviária baiana (originalmente Bahia and San Francisco Railway Company) – atualmente também abandonada pela concessionária Ferrovia Centro Atlântica – além do futuro Corredor Leste-Oeste, resultante do engate da FICO-FIOL, constituindo-se assim em importante conexão logística.

Certamente agora as antigas “gaiolas”, que no passado transportavam passageiros e cargas, cederão lugar aos comboios de barcaças que carregarão produtos agrícolas, minérios, fertilizantes e biocombustíveis, entre outros produtos, dinamizando toda esta vasta região do país. É, fora de qualquer dúvida, um projeto de relevante importância nacional.

Que volte o “Velho Chico”, o mais breve possível, a cumprir a sua saga de rio da unidade nacional!

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.

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