São muitos, fortes e poderosos os lobbies contrários ao engate da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO) com a Ferrovia de Integração Leste-Oeste (FIOL), ambas parcialmente em execução e em processo de concessão ao setor privado.
Também da Ferrovia Norte-Sul (FNS), quando lançada, no governo Sarney, não só punham em dúvida sua viabilidade como buscavam ridicularizá-la como se fora uma iniciativa provinciana do então presidente da República, por ser ele maranhense. Hoje, é a espinha dorsal do novo sistema ferroviário nacional.
Ora, com o corredor ferroviário que se formará a partir da entrada em operação do eixo FICO-FIOL, o Brasil ganhará uma travessia em sentido até agora inexistente, do interior profundo para o litoral, de caráter transversal, cruzando-o de um lado a outro, criando uma nova alternativa logística para o Centro-Oeste, especialmente o Mato Grosso e Goiás.
Trata-se de projeto fadado a provocar uma mudança radical na logística e na geografia econômica do Brasil, dando autonomia ao Centro-Oeste, região que, com o agro, é, no presente, o principal sustentáculo da economia nacional.
Faltam argumentos sérios e consistentes para questionar a validade do eixo FICO-FIOL. É muito frágil utilizar o fato da FIOL I e do Porto Sul estarem com suas obras paralisadas, por dificuldades da concessionária, atribuídas aos reflexos da guerra na Ucrânia sobre a empresa controladora. Esta é uma questão que será resolvida tempestivamente, compatibilizando os cronogramas. O atraso existente é em relação à operação da própria mina Pedra de Ferro. E, claro, prejudica a Bahia.
Do mesmo modo, insubsiste o argumento de que todo o eixo não estará sob um mesmo concessionário. É até positivo que assim seja, indicando a existência de diversos investidores, o que tem faltado no país. De resto, o direito de passagem e a figura do Operador Ferroviário Independente (OFI) existem exatamente para conviver com este tipo desejável de situação, por conta de aumentar a competitividade.
Quanto ao elevado volume de recursos necessários para a complementação desses 2.700km de ferrovia é realmente um desafio. Mas não estão cogitados recursos públicos – como se insinua – para além dos aplicados na FIOL I e II. Ao contrário, o que se busca é a atração do setor privado para realizar os novos investimentos e, como é de supor-se, empresário só entra em negócio que possa dar resultados.
Muito mais importante que estas pequenas querelas em torno do projeto é visualizar o seu impacto positivo na economia nacional, destravando a matriz logística do país e ampliando os espaços para o desenvolvimento.
Por mera coincidência, ao mesmo tempo em que alguns põem em dúvida a viabilidade da FICO-FIOL, uma missão técnica chinesa discutia em Brasília, e fazia visitas de campo, para avaliar a oportunidade que representa a estratégica ligação ferroviária bioceânica entre os portos de Chancay e do litoral baiano. É exatamente a potencialidade disruptiva dessa ligação que mobiliza as manifestações em contrário.
O fato de contar agora com o porto de Chancay, aliado às tarifas de Trump, aumenta o apetite da China pelo projeto, com base em um protocolo que já havia sido assinado com Brasil e Peru no ano de 2014.
Um corredor ferroviário tem sempre o potencial de se transformar em eixo de desenvolvimento. Basta ver o que, espontaneamente, já ocorre ao longo da FNS, com o surgimento de terminais, portos secos e distritos industriais, concentrando cargas, agroindústrias, centros de distribuição e logística, comércio de máquinas e equipamentos, distribuidoras de combustíveis e tantos outros serviços, gerando ou fortalecendo centralidades urbanas ao longo de seu percurso.
É impressionante, em especial, o impacto positivo provocado pela FNS na baía de São Marcos, no Maranhão, para onde já são propostos vários novos projetos ferroviários e importantes terminais portuários, constituindo-se no mais relevante ponto de referência do Arco Norte – conjunto de portos e terminais de transbordo já responsável por mais de 40% das exportações de soja do país. Curioso é que, estando acima do Paralelo 16° S, Ilhéus e os portos da Baía de Todos os Santos são considerados integrantes do Arco Norte.
De há muito o Brasil precisa da abertura de novos horizontes. Salvo a política rodoviarista, iniciada por Juscelino Kubitschek – presidente no período 1956-1961 – que alcançou todo o país, e os planos nacionais de desenvolvimento do regime militar, o Brasil tem estado carente de iniciativas integradoras.
Faz tempo que o país deixou para trás o estreito espaço econômico derivado de sua urbanização litorânea. Em seguida, extravasou o pequeno espaço da concentração industrial formada pelo triângulo São Paulo-Rio-Minas. Mas a logística não acompanhou o avanço da economia, principalmente a agrícola, que se espraiou pelo Centro-Oeste e o Matopiba.
Esta é a demanda que precisa agora ser atendida, e que a Ferrovia Transulamericana imaginada por Vasco Neto, iniciada pela FICO-FIOL, constitui elo fundamental e estratégico.
Precisamos de um Brasil integral, em que todas as suas regiões estejam articuladas e servidas por uma infraestrutura logística capaz de servir de suporte ao seu processo de desenvolvimento.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.